É
que estamos habituados a ver salientadas na Comunicação Social escrita, falada
e televisiva, as iniciativas dos museus nacionais. E são sempre únicas, dignas
de visita, excelentes, imperdíveis! E, na maior parte das vezes são-no, de
facto! Não vou utilizar esses adjectivos para a exposição de que vou falar e do
catálogo que a acompanha: o leitor, se tiver oportunidade de a ver ou a hipótese
de ler o catálogo há-de dizer-me os qualificativos de que «As Engrenagens do Tempo» é merecedora.
Trata-se
da exposição, inaugurada no passado dia 3 de Junho, no Museu do Traje de S.
Brás de Alportel, que proporciona, sob essa designação, a «visão social de 30
anos da história» da vila, ou seja, desde 1900 a 1930.
A
base é, naturalmente, o espólio mui cuidadosamente guardado e tratado no museu,
fruto de doações e, até, de aquisições. E esse, para além de ser mostrado
realmente nas salas da exposição (e até o edifício do Museu é digno de visita,
diga-se!), vem reproduzido nas mais de 300 páginas do catálogo coordenado por
Emanuel Sancho e Ana Bela Lourenço, com requintado design gráfico de Tiago
Ferreira.
Resulta,
claro, de um trabalho de equipa, mas nunca será de mais salientar o dinamismo
de Emanuel Sancho e a extrema dedicação do Padre Afonso Cunha, coadjuvado,
naturalmente, pelo irmão, o prior Padre José da Cunha Duarte, a quem a
iniciativa é dedicada, na sua qualidade de «fundador e impulsionador do Museu
do Traje de São Brás de Alportel até à actualidade».
É
o seguinte o percurso da exposição: «A Valsa do Tempo», «Tempo Antigo
(1900-1910)», «Tempos Revoltos (1910-1914)», «No Tempo das Trincheiras
(1914-1918)», «Tempos de Esperança e Incerteza (1918-1928)». Conclui o percurso
a sala 7, a
que se deu o nome de «Sala de Projecto» e onde, mui sugestivamente, se
apresentam esboços de José Brito referentes ao desenvolvimento do projecto da
exposição.
O manequim e... a realidade d'outrora!... |
Aludi
ao catálogo; omiti, de propósito, tudo o que se refere à ficha técnica da
exposição, cujos elementos merecem por igual o maior encómio; mas foi
propositada a omissão, porque… a exposição é para ser vista, saboreada in loco e o catálogo leva-se para casa,
porque, além de servir de apoio à compreensão do conteúdo das salas,
disponibiliza textos de índole histórica, elaborados por especialistas, que
requerem o aconchego do lar para saboreio maior! E sobre eles há que falar,
ainda que em pinceladas largas:
‒
Artur Ângelo Barracosa Mendonça escreve sobre Manuel Dias Sancho (falecido, em
Lisboa, a 15-11-1959) e o relevante papel que desempenhou, em S. Brás de
Alportel, a sua Casa Bancária (p. 102-125).
Modelos desenhados por Roberto Nobre |
‒
Afonso da Cunha Duarte aponta Roberto Nobre como o «primeiro desenhador de moda
português» (p. 126-135); e dá minuciosa conta, logo a seguir (p. 136-165), de
quem foram e como se notabilizaram os sacerdotes que, desde o último quartel do
século XIX até 1930, estiveram à frente da paróquia de S. Brás.
‒
Coube a Luís Guerreiro historiar um dos temas mais candentes da S. Brás dos
finais do século XIX e mesmo primórdios do século XX. Em «O Caminho de Ferro
para São Brás – Atribulações de uma Vontade Colectiva» (p. 166-189), se mostra
esse querer de um povo. Lê-se nomeadamente em Ecos do Sul, de 25 de Setembro de 1926, em título a toda a largura
da 1ª página: «O caminho de ferro em S. Brás – O povo de S. Brás de Alportel,
numa étape gloriosa, que honra suas tradições, manifestou exuberantemente que
quere progredir, que quere viver». E, a dado passo, no corpo do artigo, se
sublinha que clamou «num grito altissonante e patriota, o cumprimento dum
melhoramento local, a que a terra tem direito e que foi sempre o seu sonho
doirado – a criação dum ramal de caminho de ferro para aqui». (Que se me perdoe
o parêntesis: hoje, reclama-se insistentemente a melhoria da EN 2 – leu bem,
Amigo, é a Estrada Nacional Nº 2! – entre S. Brás e Estoi, com ligação, portanto,
à Via do Infante e também esse continua a ser brado no deserto!...).
‒
Glória Maria Marreiros recorda, por sua vez, «mulheres são-brasenses e outras
algarvias dos primórdios da República Portuguesa» (p. 190-213).
‒
João Nobre evoca (p. 214-234) «o retrato dum mecenas são-brasense», António Rosa
Brito (1871-1942), um paladino da instrução pública, que à sua custa
exemplarmente fomentou e manteve.
‒
«Sociabilidade e práticas culturais em São Brás na I República» foi o alvo da investigação
levada a efeito por Paulo Pires: os bailes, as récitas, as representações
teatrais… tudo é passado a pente fino e bem documentado com ilustrações únicas
(p. 235-279).
‒
S. Brás tornou-se vila independente de Faro a 1 de Junho de 1914; justificava-se,
por isso, que João Vargues nos explicasse «Faro e o tempo republicano:
ideologia e práticas na sociedade farense de início do século XX» (p. 280-311).
Perguntar-se-á
porque divulgo agora, com entusiasmo e algum pormenor, uma iniciativa levada a
efeito no Barrocal algarvio. Muito simples é a resposta: porque preconizo que
português que vá de férias ao Algarve se deve convencer, de uma vez por todas,
que Algarve não é só o litoral. O Algarve é o litoral, é o Barrocal, é a Serra:
do litoral todos falam; da possibilidade de caminhadas na Serra, de bem amplos horizontes
e mui inesperadas paisagens, poucos terão noção; mas muitos talvez se não
lembrem que, por exemplo, Silves, Loulé, S. Brás de Alportel se situam num
barrocal de características paisagísticas ímpares, com iniciativas culturais
que não temem confronto com o que de melhor se faz no País. Por isso, renunciar
a um ou dois dias de férias balneares para vir conhecer essoutros Algarves constituirá,
não tenho dúvida, uma experiência inolvidável – porque até a gastronomia,
acredite, aí ganha outro sabor!
Cascais,
9 de Julho de 2016
José d’Encarnação
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