sexta-feira, 29 de julho de 2016

A acreditação científica, um tema a merecer debate e… consciencialização!

          No âmbito de um breve debate que se travou nas listas archport, museum e histport, escrevi, a 22/02/2014, às 12:19:
         «Raramente, como sabem, entro na discussão de temas aqui abordados, uma vez que tento procurar alguma isenção e proporcionar liberdade de expressão. Contudo, desta feita, as reflexões de Jorge Raposo não me deixaram indiferente. Primeiro, porque integro o conselho científico de mais de uma dezena de publicações e sou, por isso, chamado com alguma frequência, a dar o meu parecer sobre propostas de textos para publicação; segundo, porque eu próprio vejo os meus textos submetidos a apreciação por parte dos meus pares e já segui as sugestões que um ou outro ‘revisor’ me deu.
         Permita-se-me, porém, que acentue três aspectos, resultantes já da experiência destes últimos anos:
         1º) Concordo inteiramente com a opinião de Jorge Raposo, quando afirma em jeito de pergunta: «A creditação e qualificação científica não podem (devem?) ser processos abertos, comprovados e validados pelo tempo e pelo reconhecimento colectivo de uma determinada comunidade científica?».  
         2º) A apreciação prévia não pode servir – e já serviu – para impedir que alguém (eventual rival em concursos públicos, por exemplo) publique, mormente se perfilhar interpretações não ‘alinhadas’ com a do ‘revisor’. Preze-se, acima de tudo, a liberdade de opinião; se a afirmação não está devidamente fundamentada, pode sempre o revisor chamar a atenção para isso, a fim de o autor acautelar desde logo as críticas que lhe poderão fazer; mas tal não pode nem deve ser impeditivo de uma publicação. Já li quem avaliasse negativamente um texto porque… não era citado nele e não se fizesse eco da sua publicação mais recente (mesmo que ainda não disponível para consulta).
         3º) Estamos mal os que nos dedicamos às Ciências Sociais e Humanas, porque os senhores que mandam foram formados no que chamam as Ciências Exactas, o que para eles, isso sim, é que é Ciência! Por isso, os critérios oficiais para atribuição de bolsas ou de apoios seguem (ou parecem seguir) esses modelos, normalmente hauridos nas universidades estrangeiras (do Norte da Europa ou da América), onde a vida académica e científica obedece a parâmetros bem diferentes dos da Europa do Sul. Por exemplo, esta pressão para se publicar em inglês ou para se publicar só em revistas estrangeiras, porque só isso é que conta para a avaliação é, a meu ver, um erro crasso, suicida, contra o qual todos deveríamos lutar! E compreende-se bem porquê: o que querem é que a nossa língua não vingue; o que querem é que as nossas revistas não ganhem preponderância. Perdoe-se-me, mas… eu acho que, a continuarmos assim, estamos a dar o ouro ao bandido. E ele, bem regalado, fica com ele!...».
                                                                        ...
            Não voltaria ao assunto se ele não tivesse regressado, nestes últimos dias e com novos dados, ao debate nas mesmas listas, com múltiplas intervenções. E, embora os textos que se seguem não sejam de minha autoria, considerei que deveria «arquivar» no blogue – para memória futura – o que nas listas acabou por vir a lume.
            Estou convicto de que o bom senso vai imperar e que paulatinamente diminuirão as dificuldades que determinados grupos de pressão estão a levantar – quais muros de betão (os muros estão novamente em moda e nós que pensávamos que o de Berlim não mais teria imitações!...) – àqueles que, de verdade, gostam mesmo é de investigar e de partilhar os conhecimentos que vão adquirindo.
                                                                                    José d’Encarnação
                                                                     ........

Peer Review — Shame on Us
As informações
            Precedido de um comentário seu, F. Pacheco Torgal divulgou, a 14 de Julho de 2016, as informações seguintes, que partilhei nas listas archport, museum e histport e que bem complementam, a meu ver, o que eu escrevi nesta crónica. Achei, pois, que seria interessante apresentá-las aqui, em jeito de comentário, seguidas dos comentários que recebi de colegas em relação à partilha feita nas referidas listas.

1. A introdução, de F. Pacheco Torgal
            A Thomson Reuters (ISI web of science) acaba de ser vendida por mais de 3.500 milhões de euros – vide: http://www.marketwatch.com/story/thomson-reuters-announces-definitive-agreement-to-sell-its-intellectual-property-science-business-to-onex-and-baring-asia-for-355-billion-2016-07-11.
            Trata-se de uma “empresa” cujo modelo de negócio assenta em milhões de horas de trabalho não remunerado feito por académicos. Também a Elsevier ou a Springer têm um volume de negócios anual de vários milhares de milhões de euros resultantes de trabalho não remunerado da mesma natureza. Ainda a propósito de trabalho não remunerado, merece destaque o valor de mais de 22 milhões de horas, que foram "gastas", unicamente no ano de 2013, na revisão de artigos para as 12 maiores editoras. como pode ler-se no editorial abaixo, recentemente publicado numa revista de Medicina – http://cms.sagepub.com/content/20/3/194.short , o que, para um valor/hora de 40 euros (o custo de uma consulta de Medicina Geral em Portugal ou do serviço de uma empregada doméstica nalguns países), dá 880 milhões de euros, valor que permite perceber que, se todo o trabalho intelectual de produção científica e de revisão fosse pago, o modelo de negócio atrás referido seria manifestamente inviável.
            Permanece, por isso, um mistério por que motivo as universidades, muitas delas com graves problemas financeiros, continuam a contribuir com trabalho não remunerado para a boa saúde financeira das referidas "empresas" e bem assim para a remuneração dos accionistas das mesmas. O que seria expectável, num mundo onde as coisas funcionassem racionalmente, era que as universidades fossem remuneradas em espécie, em acções ou de qualquer outra forma, pelo trabalho intelectual dos seus investigadores. É, no entanto, evidente que nenhuma universidade ou país conseguirá forçar uma tal mudança, atendendo ao actual contexto de impunidade e hipocrisia do corporativismo transnacional "big business", que, ao mesmo tempo que evita pagar impostos por menores que eles sejam, ainda se atrevem a exigir cortes na Segurança Social e no acesso à saúde daqueles que menos têm – http://www.sanders.senate.gov/imo/media/doc/102512%20-%20JobDestroyers3.pdf.      (Convém lembrar que a rainha Maria Antonieta foi guilhotinada por menos).
            Talvez um grupo de países, como a UE, pudesse consegui-lo, não fosse dar-se o caso de também neste espaço geográfico e político o "big business" ter um tratamento preferencial a vários níveis, seja na evasão fiscal ou mesmo na desregulação "à la carte" em curso, por via do TTIP – Tratado Transatântico = Transatlantic Trade and Investment Partnership). –, o qual, como defendem vários Prémios Nobel da Economia, irá servir para beneficiar os mesmos de sempre (o grupo de 1% com mais rendimentos), ao mesmo tempo que agravará ainda mais as desigualdades de rendimentos actualmente existentes.
Saudações académicas

F. Pacheco Torgal

2. Peer Review—Shame on Us
Peer review is a process, albeit flawed, which is critically important to the publication of new scientific knowledge. There is no greater praise for one’s work than the accolades and validation of respected colleagues and no greater reward than to have those same colleagues critique and improve your work. The process of peer review was first applied to academic journalism in 1752 (Kronick DA, Peer review in 18th-century scientific journalism. JAMA. 1990;263(10):1321-1322) with the establishment of the Committee on Papers by the Royal Society of London to review the first scientific journal Philosophical Transactions. In 2016, the peer review process may be single-blinded, double-blinded, or open where authors and reviewers are known to one another and the reviewers may or may not be identified publicly. Virtually all of the most highly cited medical journals use the single-blinded process. The journal Nature is expanding on the traditional process, allowing authors to choose either single- or double-blinded review. JCMS uses the single-blinded process. I contemplated a change to a double-blinded review, as this is intuitively more rigorous, but anonymity is almost impossible to achieve and it requires a significant increase in workload for the administrative managing editor. In addition, the published literature on the subject suggests that the type of blinding does not affect the quality of reviews; therefore, we will continue to utilize the single-blinded process. I recently attended a meeting of the Council of Dermatology Editors, where Ms. Kate Perry, an editor with the publisher Wiley, presented the results of a survey that Wiley undertook in 2015 to better understand the peer review experience. The survey received 2982 responses (1.7% response rate) from reviewers across the geographic and subject areas serviced by Wiley journals. It has been estimated that more than 22 million hours were spent reviewing manuscripts for the top 12 publishers in 2013. The Wiley survey confirmed that the primary reason that reviewers freely give of their time and expertise is to support their research community and “pay forward” the good will of others who have reviewed their work. It was also interesting to note that reviewers are more likely to accept the invitation from prestigious journals, to spend more time reviewing these manuscripts, and to adhere to the journal’s deadlines. Forty-nine percent of reviewers review for more than 5 journals. The survey also noted that recognition and feedback were more important than more tangible rewards. The Wiley survey also revealed that three-quarters of all reviewers stated that they would like more training, with 89% of early career researchers requesting additional training. Peer review is the cornerstone of academic learning and it is taken for granted. There needs to be change, and nothing short of public shaming is likely to accomplish this. Academic institutions need to recognize peer review as an integral component of scientific research and provide it equal merit to other research activities. Societies and institutions that survive and flourish as a result of the unpaid work of reviewers need to recognize reviewer work, provide reviewer training, and lobby academic institutions and granting agencies to formally record and specifically acknowledge our colleagues engaged in the peer review process. JCMScan, I believe, make a difference. I intend to lead by example and address the most significant issues that were elucidated in the Wiley survey. I will seek out an educator to meet the reviewer request for more training. I have initiated a Wall of Honor on the masthead where the names of reviewers will be published in a timely and dynamic manner. SAGE Publications, our publisher, is now integrated with Publons, which is an online service that will record and verify the work of reviewers so that this work may be highlighted for career advancement purposes. I will review the CV formats of our academic institutions and request that a section be allocated for the purpose of listing reviewer work now that Publons is integrated with our publisher. I also hope that each of you—our authors, reviewers, and readers—will take this message to your institutions and speak out for the recognition that our colleagues who undertake peer review deserve.

Kirk Barber, MD, FRCPC
Editor-in-Chief, JCMS

Os comentários
 
Raquel Vilaça, 14 de Julho de 2016 10:37
Isto está a tornar-se um desespero e ainda não chegámos (lá iremos, que remédio...) à situação em que o envio será feito na íntegra para plataformas de difícil preenchimento, quer dizer, será quase tão difícil escrever um artigo como submetê-lo.

Juan Zozaya, 14 de Julho de 2016 16:43
Gracias por la información, pues sabes que estoy en contra del "revisão por pares", un sistema en el cual no puedes recusar al arbitro o al acusador, como ocurre en un caso jurídico normal. Por ahí si desliza la búsqueda de favores como una de las consecuencias negativas. Y, efectivamente, no se cobra el trabajo. Es una buena manera de fomentar nuestra "vanitas".

Joaquín L. Gómez-Pantoja, 14 de Julho de 2016 17:53
Cuanta razón tiene! La paradoja es quien se beneficia del trabajo de los peer-reviewers continua ganando dinero:  a) exigiendo pago por publicar en sus revistas de prestigio y b) vendiendo a los burócratas de las Universidades los argumentos para clasificar a su gusto a los mismos investigadores que han realizado las peer-reviews.

Fábio Liborio, 14 de Julho de 2016 22:04
Nossa, Dr. Encarnação é uma vergonha mesmo! Muito obrigado pelo alerta bruto como este!

Adelaide Chichorro Ferreira, 14 de Julho de 2016 22:58:
Interessante... A mim já me têm pedido para ser reviewer de papers de política internacional, ou até, mais recentemente, de neurologia/psiquiatria. Mas como não me ajeito com as bases de dados deles (psiquiatria/neurologia), ficou por fazer. Fiz isso num caso, mas fiquei impressionada com o grau de simplismo com que se analisa a linguagem humana para aplicar o epíteto de doente a alguém... Por mim, em matéria de publicações tentarei simplesmente acabar o que iniciei. Tomara conseguir! Depois penso na publicação...

Carmen Aranegui, 15 de Julho de 2016 11:29
Yo comparto el texto pero algunos colegas se reservan la opinión y no ven oportuno denunciar la situación (¿!)
[…]
15 de Julho de 2016 17:21
[…] Pero no es solo el miedo: es miedo + locura y parece que tenemos que convivir con eso.

Jean-Pierre Bost, 18 de Julho de 2016 08:52
Ce que tu m'envoies est évidemment scandaleux, mais je n'ai aucune confiance dans les institutions nationales ou européennes pour faire changer les choses et nous continuerons d'être exploités par des requins sans foi ni loi. Mais ce n'est pas le seul scandale, car il y a aussi celui des revues elles-mêmes qui ont été, comme tu sais, il y a maintenant une dizaine d'années, classées par la collusion de collègues anglo-saxons et allemands auxquels a été associé le lobby des préhistoriens, pour définir arbitrairement quelles revues sont dignes et quelles ne le sont pas, ce qui constitue pour nos jeunes collègues débutant dans la recherche un handicap considérable.

Armando Redentor, 27 de Julho de 2016 16:31
            A questão da avaliação por pares deveria ser também discutida e balizada. É necessária? Os conselhos científicos e de redacção das revistas bastam? São actuantes? A revisão é um trabalho de extrema responsabilidade científica que nem sempre – infelizmente – é encarado dessa forma... pelos pares. A dimensão e especialização da comunidade são factores que podem actuar negativamente por diversos aspectos. Faltam também mecanismos (além da ética) para que esta regulação funcione de modo alargado, quando se submete um artigo a mais de uma revista ou quando, em face de uma avaliação menos positiva, se procura refúgio em outras que funcionam como "paraísos"...
            Agora que o acesso à publicação surge facilitado, novos desafios se colocam a todos os intervenientes. E voltar a discutir métodos, metodologias e responsabilidades é importante. -/-

                                                                                                           

 

1 comentário:

  1. Rosario Ferreira, sexta-feira, 29 de Julho de 2016 19:20
    Devo dizer que me causou algum incómodo a perspectiva essencialmente mercantilista subjacente ao comentário de F. Pacheco Torgal e ao artigo sobre peer reviewing divulgado na sua mensagem do passado dia 14. Foi, assim, com viva satisfação que, ao ler as (não muitas) respostas a essa mensagem que teve a gentileza de reunir e partilhar, me apercebi de que a esmagadora maioria dos seus autores se manifesta muito mais preocupada com a questão científica de fundo que é a canonização do peer reviewing enquanto processo de validação dos avanços no conhecimento, do que com os emolumentos dos revisores. Talvez o incómodo que eu senti não tenha sido só meu, e não seja alheio à relativa falta de eco que, segundo admite, a sua mensagem suscitou.

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