Estiveram lá dois dias. E choveu.
Não sei se o varredor as levou, se mesmo alguém que delas necessitava. Oxalá
tenham servido. E louvei o gesto de quem ali as deixara, à vista de todos, na esperança
de acalentar um conforto.
Eu fora, dias antes, à loja social
que a Junta de Freguesia decidiu abrir para receber roupas, calçado, ‘coisas’
da casa de que os fregueses já não careciam e ali punham à disposição de quem
os quisesse vir comprar. «Comprar», escrevi. Nem que apenas por um euro ou
cinquenta cêntimos. Ao que é oferecido nem sempre, infelizmente, se dá valor.
Levámos sacos com muita roupa e calçado que já não servia e ainda estava em bom
estado e poderia ser agasalho de quem não tem. Dessa dita «classe média» envergonhada,
por exemplo, em que marido e mulher ficaram sem emprego e há filhos e até netos
para sustentar e casa para pagar e prestações a vencer e nem vinte cêntimos
sobejam para matar a fome…
Tinham bons atacadores as botinhas
de criança. Estava tudo muito bom para voltar a ser usado, como, entre os
nossos amigos, trocamos amiúde roupinhas de bebé e até as caminhas e tanta
coisa que apenas serviu pouco tempo e agora tanto jeito dá! Minha filha até o
leite – que tinha em abundância – partilhou com a amiga que o não tinha – e eu
ganhei uma «neta de leite»!...
Sensibilizaram-me as botinhas.
Senti-me mais cidadão numa sociedade em carência… e em solidariedade crescente!
Benza-a Deus!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 696, 15-11-2016, p. 11.
Margarida Lino
ResponderEliminar15/11 às 17:45
Meu amigo, fiquei comovida com a tua cronica. Obrigada por seres o ser humano que és. Bem hajas, beijinho!
Íris Brás 15/11, 14 h
ResponderEliminarLindo de louvar, oxalá tenha servido a alguém. Um bonito exemplo. As coisas estão boas e deixam de servir tão rápido e têm tão pouco uso! Vejo isso pelo meu filho. Cumprimentos, professor!
Joao Paulo Gomes 15/11, 15 h
ResponderEliminarE de repente recordei-me de um amigo que já partiu, que tinha o hábito de colocar as "barbatanas" no muro que rodeava a sua casa. E digo barbatanas pois o meu amigo calçava XXL...44 e afins sempre para mais e nunca para menos. Mesmo sendo tamanhos pouco comuns, o que é certo é que nunca ficavam no muro de um dia para o outro. Eram sempre 4 e 5 pares de cada vez e quase novos, ali o Natal acontecia em qualquer dia do ano...como devia de ser!
Vera Goncalves 15/11, 16 h
ResponderEliminarObrigado por partilhar as suas palavras connosco
Ti Costa 15/11, 17 h
ResponderEliminarMuito obrigada por partilhar esses momentos connosco Prof.
Paula Ferra 15/11, 17 h
ResponderEliminarTão lindo e tão pouco visto nos dias de hoje... Beijinho
Bonita referência ao Augusto Gil e à sua balada da neve. Atrevo-me a deixar os últimos versos:
ResponderEliminarFico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
– e cai no meu coração
Fernanda Goncalves 6/11 às 23:43
ResponderEliminarMais um excelente texto que me diz muito.
Obrigado por saber como motivar para o bem.
Luzia Maia 16/11 às 23:50
ResponderEliminarNa minha cidade é hábito colocar coisas que já deixaram de servir ou... (seja o motivo que for)... no passeio em cima das caixas de electricidade... e há sempre alguém que leva. Também eu já recolhi algumas coisas.