domingo, 6 de novembro de 2016

«Metes-te em cada sarilho!»

            ‒ Metes-te em cada sarilho!...
            ‒ Ó pai, mas eu não me meti em sítio nenhum!... O que é um sarilho?
            E foi aí que o pai ficou… ensarilhado. Saíram-lhe palavras como «encrenca», «dificuldade», «chatice», mas… o que seria mesmo um sarilho? Na tropa, ensarilhava a G3 na pausa dos exercícios; quando era mais pequeno, ia buscar água ao poço da Ti Marquinhas e ela tinha um sarilho, um pau cilíndrico de borda a borda do poço e a corda enrolava lá e o balde vinha cheiinho de água té cá cima. Agora, sarilho mesmo… donde é que a palavra viria?
            No dicionário, está, entre parêntesis, sericula; e, o dicionário de Latim indica-nos que sericula equivale a securicula, «machadinha». Sim, na verdade, há sarilhos que nos cortam a respiração; contudo, confesso que a explicação não me convenceu, nem a aproximação com sericum, «seda». Sericarii eram os mercadores de seda, que vinha do Extremo Oriente. Os imperadores romanos chegavam a distribuir, nos espectáculos, sericae vestes (como hoje se dão camisolas…), cuja trama era em seda e a teia de lã ou linho: e acredito que quem aí se recusasse a receber a «serica» se viesse a meter em sarilhos…
            Pesquisando os autores clássicos, só encontrei uma palavra aproximável, uma só, o que me dá a ideia de que não seria de uso corrente: «seriola», pequena caixa para armazenamento, usada em conotação funerária, qual urna cinerária. Abrenúncio! Está nas Sátiras de Persius (4, 29) e em longa e mui comentada inscrição métrica de Roma, que celebra a memória de uma liberta célebre, Allia Potestas.
            Portanto, não vou por aí e atrevo-me a considerar «sarilho» derivado do plural latino serilia, material entrançado, cordame. Meter-se em sarilhos não é assim a modos de ficar enleado em cordas, de que é necessária astúcia para se desenlear?
            Em sarilhos, afinal, me meti eu; será que me consegui… desensarilhar?

                                                                                  José d’Encarnação
Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 214, Novembro de 2016, p. 10.
 
 

4 comentários:

  1. Claro que te desensarilhaste e com verdade te digo que achei muito interessante o precursozinho que afinal foi...zão, porque embora o texto não tenha sido muito longo,acabaste por nos levares pelas lonjuras de muitos séculos e locais. Um percursozão muito agradável. Um Bem Hajas. E vou ver se me livro de "serilias"... mas tenho dúvidas que consiga....qualquer dia..poderá acontecer. beijinho da Clara

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  2. Margarida Lino
    7/11 às 18:13
    Olá, Zé! Eu também só conheço dois tipos de sarilhos, aquele em que determinadas pessoas se envolvem uma ou outra vez, e esse que referiste como sendo um cilindro em madeira com uma corda e um balde para tirar água do poço,lembro-me que lá na quinta havia um. Agora, para ensarilhar um pouco mais, eu pergunto porque é que deram a uma determinada terra o nome de Sarilhos Grandes? Fico à espera da tua explicação. Beijinho.

    Resposta minha: não se ouve, de manhã, a propósito do trânsito, que há engarrafamentos a partir de Sarilhos Grandes? É isso: quem se mete por lá, fica... ensarilhado!...

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  3. Norma Musco Mendes
    07-11-2016, às 1:48
    Adorei e o amigo conseguiu resolver muito bem a questão.

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  4. Joaquim Almeida 2016-11-07, às 16:28 Sempre gostei de procurar étimos e de ver bem resolver "charadas" etimológicas - bem,como parece ser aqui o caso;venham mais!

    Resposta: É deveras aliciante, de facto. Bem hajas! Tentarei prosseguir nessa senda, que já vem de trás...

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