quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Eu tive um sonho!

            Não, não quero copiar Martin Luther King: «I have a dream», ‘Eu tenho um sonho’. O meu foi o sonho de todos os pais, ao longo da existência dos filhos: acompanham-lhes o crescimento, procuram disponibilizar-lhes todos os ingredientes susceptíveis de eles poderem vir a singrar na vida o melhor possível. Têm, porém, a consciência plena de que, mais tarde ou mais cedo, eles vão agarrar a sua independência, consubstanciada no gesto do pai a entregá-los ao futuro cônjuge, sempre no voto de que, assim, todos possam alcançar a felicidade.
O descerramento da placa, concretização do sonho!
            Foi, inopinadamente, essa a sensação que tive no passado sábado, quando, com o presidente da Câmara, descerrei a placa da inauguração do circuito de visita à «villa» romana de Freiria. Guilherme Cardoso e eu e toda a equipa que fomos tendo desde 1985 preparámos a «villa» para este momento. Sonho acalentado em 33 anos: que a «criança» que paulatinamente íamos vendo crescer viesse, um dia, a deixar de ser ‘nossa’ e a pudéssemos entregar nas mãos da comunidade, para que dela usufruísse em plenitude. Pedra a pedra, muro a muro, o lagar, o celeiro, a casa senhorial com o seu pátio interior e os mosaicos… E os objectos que fomos retirando do solo, desde os da Idade do Ferro até aos da época romana plena (dos séculos I antes de Cristo até mesmo ao século V da nossa era). Muitas horas de estudo e reflexão, muita colaboração, muito sonho!...
            Gostaria, claro, de o ter dito na cerimónia, porque tanto Guilherme Cardoso (ausente por urgentes imperativos de saúde) como eu de mui boamente depositámos nas mãos da autarquia esse labor de quase uma vida. Essa, a nossa consolação: a concretização do sonho, de que, no longo percurso, por vezes chegámos a duvidar se teríamos ocasião de a ver. Tivemos e rejubilamos por isso.
            E, neste momento de plena satisfação, cumpre-nos recordar não só as dezenas de estudantes nossos (nomeadamente da Universidade Nova de Lisboa) que ali estagiaram e se começaram a fazer os arqueólogos que hoje são, mas também aqueles a quem muito devemos: o Dr. João Cabral, na altura, responsável pela Arqueologia na Câmara Municipal de Cascais, que tão cedo nos deixou e que foi o grande motor para o apoio camarário; os arquitectos Pedro Fialho e sua mulher Helena Rua, ambos já falecidos também, cuja briosa e mui competente equipa permitiu o minucioso e exaustivo levantamento gráfico do sítio. Temos a certeza de que connosco rejubilaram no dia 22
A entrada solene, como se desejava que fosse.


A emoção da primeira caminhada sobre passadiços...
A comunidade
            À comunidade entregámos, pois, o que acarinhámos.
            Em primeiro lugar, o Plano de Pormenor, sugestão que o presidente José Luís Judas de imediato deu, aquando da s primeira visita ao sítio, apercebendo-se de que lográramos impedir mais urbanizações ditas ‘clandestinas’, já então marcadas no terreno: urgia programar a ocupação do sítio e da sua envolvente! Encomendámos o projecto à equipa do arquitecto José Alves Bicho. Um penoso labutar, de avanços e recuos, de pressões a todos os níveis, mas… conseguiu-se! Tudo está superiormente avalizado e compete agora aos proprietários fazerem a sua parte. A «villa» está junto a uma zona que se manterá verde, porque incluída na Reserva Ecológica Nacional; e junto ao ribeiro de Freiria, de perene caudal e que foi, ainda na década de 80, de águas puras, hortas comunitárias, as primeiras pensadas para o termo do concelho.
A emoção da lavadeira, a recordar tempos de outora...
            Em segundo lugar, emocionou-me, confesso, ter sabido que uma lavadeira de Polima se prontificara a vir lavar a roupa, como outrora fazia, nos tanques ora recuperados. A recuperação desse conjunto, por que sempre pugnámos, agradou-nos deveras!
Foi, à noite, o espectáculo! «Lisístrata», de Aristófanes,
pelos estudantes da Escola Profissional de Teatro de Cascais,
numa singular encenação de Carlos Avilez.
A demonstração plena de que as «ruínas» podem estar vivas!
                                                           José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 251, 2018-09-26, p. 6.
 

13 comentários:

  1. Quanta pena minha por não ter estado presente...! Por todas as razões e mais aquela de lhe prestar, a si, caríssimo Professor, a homenagem devida por ser quem é e fazer o que faz. Hoje, ainda, um pouco à guisa de remissão de pecados vou sugerir à EMACO que o «convença» a proporcionar-nos uma visita guiada, quão breve quanto possível. Será pelo espaço e pela memória, decerto. Mas será, também, ple salutar relação que interessa manter e cultivar. Parabéns, caro professor, e um forte abraço.

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  2. Caro José. Muito me encanta fazeres o favor de ser meu amigo. É, sem dúvida alguma, um grande privilégio conseguir privar com semelhante sapiência e mestria. Basta a tua presença, mas assim que abres a tua boca e começas a debitar notas musicais em forma de palavras, todo o tempo é pouco para te escutar. Este texto é uma receita perfeita para um grande manjar literário que, entre outras coisas nos mostra o amor que alguém tem por aquilo que faz. De facto, José D'Encarnacao, simbolizas o Amor incondicional que só almas como tu conseguem fazer, e são poucas.
    Bem hajas José, e mais uma vez obrigado por me deixares fazer parte da tua vida. Grande abraço

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  3. Gratidão por esta linda viagem que acabei de fazer a saborear a leitura de mais um texto teu escrito com tanta emoção, entrega e amor. Somos abencabenç por te ter como amigo e como elemento da nossa família de coração, admiro-te muito , sabes disso. Gratidão e continuação de boas partilhas 😘😘😘

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  4. Professor Encarnação, enquanto aluna ouvia deliciada as histórias que connosco ia partilhando sobre a "villa" romana de Freiria. E, por esse motivo, mas também pelo enorme respeito, admiração e carinho que tenho por si, fiquei muito feliz. Parabéns pela concretização deste sonho e bem haja pela partilha!

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  5. Maria José Calheiros Gama Parabéns Prezado Amigo e Professor José d'Encarnação. É bom concretizarem-se Sonnhos e de grande generozidade sobretudo quando estes são dirigidos e em benefício da Comunidade. Bem Haja. Amigo Abraço Maria Jos+e Calheiros Gama

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  6. Muitos parabéns, Professor, por esta dádiva à comunidade, pela concretização de mais um sonho :-) Pelo sonho fomos, somos e seremos. Nós somos o sonho.
    Um beijinho.

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  7. Esgotar o possível, nos trilhos da utopia viável, eis a materialização de um sonho de 33 anos, do meu especial Amigo e Colega, Professor Doutor José d'Encarnação.
    Um forte abraço de parabéns.

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  8. No dia 27, às 11.54, Helena Ventura quis depositar aqui o seguinte comentário:
    Querido Amigo
    Quanto mais o conheço, mais o admiro: por sem quem é, sempre disposto a dar a mão a quem precisa; pelo empenhamento que coloca em tudo aquilo que faz; pelo encantamento que a vida lhe desperta, de tal modo que encara os escolhos como pedras banais que se afastam do caminho com a força da vontade.
    Estive lá e gostei tanto do que estava a descoberto! Só tive pena de não o ouvir falar do seu labor, somado ao do arqueólogo Guilherme Cardoso. Afinal toda a gente estava à espera de umas palavras de quem tanto lutou para trazer à luz a villa de Freiria.
    Beijinho
    MHV

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  9. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  10. Maravilhoso!!! Muito agradada com o texto professor, parabéns! Saudades, belíssimos tempos!
    Um beijinho,
    Cristina Flores

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  11. Ainda bem que assem foi. Adorei saber.
    Um beijinho
    Ana Claré

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