terça-feira, 2 de outubro de 2018

A lâmpada e os pardais

            Tenho no meu quintal e na garagem – sou dos felizardos que podem usufruir dessas mordomias… – várias osgas de estimação. E digo «várias», porque já vi pequenitas e já vi, em sítios diferentes, outras gorduchas, com ar de matronas. Não sei mesmo quantas são. Apenas acrescento, desde já, que, em pequeno, elas não deveriam durar muito, porque o meu divertimento seria o de pegar num palanco, fazer-lhe um subtil laço na ponta e, mui sorrateiramente, conseguir enfiá-lo na cabeça do bichinho e… laçá-lo, qual cowboy a vaca tresmalhada!…
            Osga era, para mim, bicho peçonhento, pegajoso, que não mereceria viver. Hoje, deixo-as à vontade, até porque também na garagem tive de guardar livros e pedi à osga-mãe que adestrasse as filhotas na caça às traças, essas, sim, minhas inimigas figadais!
            Surgiu-me esta ideia das osgas porque o Celestino Costa tem uma figueira de estimação. Figos moscatéis bem saborosos. Cortou-a por cima, para que alargasse, escorou as pernadas e, assim, escusa de se empoleirar numa escada para apanhar os figos, que estão à mão de semear, basta um cãibo!
            No entanto, se quer figos, tem de se levantar às quatro da madrugada, porque, às cinco, já lá estão, na figueira, os melros, de bico forte, a picarem mesmo aqueles figuinhos que ainda não estão bem maduros. Tudo lhes serve para se alimentarem, agora que os campos outrora semeados e com vedações de valados cheios de silvas, abrunheiros e murtinhos, só têm é casas e não lhes oferecem, portanto, o farnel quotidiano.
            Não longe do Celestino mora o Clérigo, canteiro como ele, que lhe contou de uma das suas admirações de não há muito. É que começou a ver, à noite, os pardais junto à lâmpada do candeeiro de iluminação pública ao pé de casa. Estavam à caça dos insectos que se sentiam atraídos pela luz!
«Espantando os pardais» - José Malhoa (1904)
            Dantes, encarrapitavam-se nas espigas de trigo ou de cevada e até os moços pequenos eram mandados pelos pais em batuque de latas velhas para os assustar, imagem que José Malhoa perpetuou no seu quadro de 1904, ou punham-se espantalhos em figura de gente com roupas velhas e chapéu...
            E perorava Celestino, poeta-pensador, nos seus 85 anos:
            ˗˗ Agora, já não há quem semeie! E, se calhar, daqui a uns cem anos, os cientistas são capazes de dizer que a dieta principal dos pardais era constituída por insectos voadores!...

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 739, 01-10-2018, p. 10.

3 comentários:

  1. António Chéney
    Uma das coisas que aprecio é observar os filhotes ainda com penugem, que caem do telhado da minha avó, a serem comidos pelas formigas. Em 24 horas só ficam os ossos todos rapados.

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  2. Maria De Jesus Brito
    Osgas, à volta do candeeiro do alpendre, temos muitas, cá pela Gralheira. São de estimação, pois livram-nos dos mosquitos! Pardais a comer insetos ainda não vi.

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  3. Vitor Barros
    Viva...
    Eu por acaso sei o que é mas aposto que pouco gente saberá o que é um cãibo! Vai uma aposta? Abraço.

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