Escolheu,
pois, muito bem Carlos Avilez o cenário. Nós, os espectadores ficámos à volta,
nos quatro pórticos. A meio, a água continuou a sair da boca da carranca. Uma
caveira a prender um pano preto que descia era a irmã que as três irmãs velavam,
envoltas em negros véus, soturnas como a morte, desfiando considerações acerca
da vida, das palavras, do sentido que poderia atribuir-se a tudo…
José
de Matos Oliveira, João Pecegueiro e Rafael Carvalho incarnaram essas irmãs,
dialogantes, filósofas, que, de vez em quando, acariciavam a água corrente…
«Drama
estático» lhe chamou Fernando Pessoa; escreveu-o, diz-se, a 12 e 13 de Outubro
de 1913 e poucas têm sido as encenações tentadas, uma vez que, na verdade, se
requer um ambiente especial, como o do átrio do museu, de falas pausadas no
embalo da fonte a correr.
«As mãos não são verdadeiras nem reais… São mistérios
que habitam na nossa vida… Às vezes, quando fito as minhas mãos, tenho medo de
Deus… Não há vento que mova as chamas das velas, e olhai, elas movem-se… Para
onde se inclinam elas?…».
Havia, de facto, uma
vela com três pavios e as chamas bailavam de cá para lá, de lá para cá. E a
caveira serena, imóvel.
Parece que, além, no
mar, há um marinheiro sonhador…
«É sempre longe na
minha alma… Talvez porque, quando criança, corri atrás das ondas à beira-mar.
Levei a vida pela mão entre rochedos, maré-baixa, quando o mar parece ter cruz ado as mãos sobre o peito e ter adormecido como
uma estátua de anjo para que nunca mais ninguém olhasse…».
E, quase a terminar, a mensagem:
«É dia já. Vai acabar tudo… E de tudo isto fica, minha
irmã, que só vós sois feliz, porque acreditais no sonho…».
Vi a estreia do espectáculo, no dia
27. No final, os actores estavam visivelmente contentes por terem participado nesta
157ª produção do TEC, integrada na programação de Cascais Capital Europeia da Juventude.
No rosto dos espectadores, a serenidade de quem, perto do mar, foi obrigado a reflectir
sobre o sentido das palavras e dos silêncios…
Encenação de Carlos Avilez, como se
disse; figurinos de Fernando Alvarez; pertenceu a Manuel Amorim a direcção de montagem.
José d’Encarnação
Publicado em Cyberjornal, 2018-10-04:
Não deve ter sido fácil a encenação do "drama estático"de Pessoa. Mas por este texto é fácil perceber que, uma vez mais, a mestria de Carlos Avilez conseguiu, através dos seus actores, envolver o público na magia reflexiva das palavras, na reflexão dos mistérios da vida. Um abraço da MHV.
ResponderEliminar