quarta-feira, 24 de julho de 2019

As nossas falas

             Está garantido: o falar próprio de cada região constitui o seu património cultural imaterial. E há, por isso, que preservá-lo. E usá-lo, porque não?
            Bem fez a nossa mui querida amiga Lídia Jorge quando, no seu «O Dia dos Prodígios» pôs aquelas alminhas a falarem bem à algarvia, até com ponto final onde faziam pausa, mesmo que gramaticalmente não desse jeito nenhum. E Julieta Lima, de Olhão, ora radicada pelo concelho de Loulé, autora, por exemplo, do livro «Contos por Cordas» e doutros, em que pôs a falar à moda de Olhão aqueles marafados todos!
            Temos um «Dicionário do Falar Algarvio», do Eduardo Brazão Gonçalves. A 2ª edição, aumentada, que é a que eu tenho, data de Dezembro de 1996, apoiada pela Direcção Regional do Algarve do Ministério da Cultura. Mas já Estanco Louro, no seu «O Livro de Alportel» sabiamente ensaiara a apresentação de um vocabulário dito «alportelense», que, na reedição feita pelo município em 1986, ocupa as páginas 211 a 278.
            Abençoados!
            Aliás, tenho ideia que tudo isso interessou – e interessa! – grandemente o nosso Padre Afonso Cunha, que anotava (disse-me) quanto eu apontava de novidade lexical na coluna «A Retalho» do VilAdentro.
            Pois aí vão mais algumas dessas falas que me recordo de ter ouvido a meus pais e avós:
            – Ele disse que vinha de témêdia (= de manhã, até ao meio-dia);
            – O moço pequeno está cheio de abábuas, mulher! (aqueles altos devido a picadelas de insectos);
            – Ena, compadre! Até fiquei azamboado! (assim como não saber bem onde se está, com a cabeça à roda);
            – O homem saiu desostinado de casa (= parecia um doido, bem depressa, com vontade de ir fazer alguma!...)
            – Pois, ando cá hoje com uma dor no ortelho!... (por artelho, tornozelo).
            E com essa verdadeira dor no ortelho hoje me vou!...

                                                                       José d'Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 272, 20-07-2019, p. 13.

2 comentários:

  1. Lídia Jorge, 04-08-2019, 00.45
    Viva, José d'Encarnação
    Bom Verão para ti e para os teus.
    Acabo de ler. Tem muita graça, sim, o falar algarvio que vai passando.
    Mas a música cantada das palavras e das frases, uma espécie murmúrio grosso,
    futural, às vezes grotecto, esse continua. A melodia da fala algaavia permanece.

    Já os vocábulos, felizmente, vão sendo corrigidos, quando correspondem a deformações.
    Outros ficam. Muito giro é o facto de, mesmo sendo do conhecimento geral
    de que a palavra arjamolho é uma corrupção de alger+ molho, todos digamos
    arjamolho! Eu faço e digo assim, acho engraçado usar a corruptela.
    Espero que me tomes por boa algarvia.
    Abraço amigo, da tua amiga
    Lídia.

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    1. Claro que és a nata dos escritores algarvios! Acabo de redigir um artigo para o boletim do Arquivo da tua Loulé, a evocar Romero Magalhães. Incluo-te, naturalmente, entre os algarvios tresmalhados, os que nas décadas de 50 e 60 demandaram as universidades de Lisboa e Coimbra e por lá se ficaram, sempre com o Algarve no coração. Um texto que me deu gozo escrever.
      Beijinho e votos retribuídos.

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