sábado, 16 de abril de 2022

O Museu da Misericórdia de Cascais, concretização duma aspiração antiga

            A aspiração já vinha de longa data! O espólio artístico e documental reunido na casa do que é uma instituição secular (a Santa Casa da Misericórdia de Cascais foi fundada em 1551) carecia de ser mostrado não apenas aos cascalenses mas a quem nos visitar. O desiderato cumpriu-se!
 
            Inaugurou-se, na tarde de domingo, 10 de Abril, no Largo da Misericórdia, em Cascais, o Museu da Misericórdia.
            Estiveram presentes as entidades habituais, da instituição e do Município, na medida em que a concretização da iniciativa se ficou também a dever ao incondicional apoio municipal. Notada a presença de José Luís Judas, ex-presidente da Câmara, que assim quis mostrar o apreço que sempre teve pela Santa Casa durante o seu mandato. Dir-se-á que as instalações foram pequenas para conter tanta gente.
            Após o descerramento da placa alusiva ao acto, houve demorada visita às salas das exposições, começando pela capela de S. André, actual sacristia da igreja, sede inicial da Santa Casa, sentindo-se em todos os presentes a admiração e o regozijo pelas evidentes melhorias realizadas e por todo o espólio que lhes era dado observar.
            Os visitantes foram depois convidados a reunirem-se no pátio interior, também ele mui remodelado e dotado de uma espécie de claustro à moda antiga. Foram recebidos pelos cânticos do grupo coral Arte Nova. Coube ao Reverendo Padre Nuno, prior de Cascais, a função de cumprir o ritual católico da bênção das instalações, no convite a todos para nele participarem através da oração.
A Provedora, Dra. Isabel Miguens, historiou as vicissitudes por que passara o projecto, congratulou-se com a forma como se lograra chegar a bom termo e agradeceu a todos os intervenientes no processo. O Dr. Carlos Carreiras, presidente do Município, manifestou também o seu agrado por, no prazo previsto, se terem concluído as obras, cujo resultado (confirmou) muito lhe agradava, de todos os pontos de vista. 
 
Um espólio notável
A exposição «Um Olhar sobre Cascais através do Seu Património», levada a cabo no último trimestre de 1989 pela Associação Cultural de Cascais em colaboração com a Câmara Municipal, já ateara o primeiro rastilho, ao escolher para um dos seus núcleos  – o das Fontes Documentais e Arte Sacra – a Sala do Despacho da Misericórdia, e dele se fez eco na publicação do II volume do catálogo, onde, além de circunstanciado roteiro, se inseriu notável artigo do Prof. Vítor Serrão sobre a pintura quinhentista no concelho e um outro, da autoria do conceituado José Meco sobre a azulejaria com temática ou utilização religiosa patente no concelho. Mostrou-se então, pela primeira vez, de forma organizada, o que a Misericórdia albergava; e recorde-se, por exemplo, que os trabalhos preparatórios possibilitaram a recuperação de uma singular carranca de proa de navio que foi mostrada e que hoje integra o recheio do Museu do Mar.
 
Concomitantemente se pensava na necessidade de levar a cabo obras de conservação e restauro na igreja (a porta principal foi restaurada por benemerência dum dos Irmãos da Santa Casa), sendo sonho de alguns a construção da segunda torre que fazia parte do projecto inicial e nunca fora concluída. As imagens divulgadas nas redes sociais pela Câmara – que fez questão de chamar a si os louros da renovação – mostraram desde cedo que se dera a cada uma um toque contemporâneo, porventura para que se não esquecesse ter sido obra de agora e não de antanho.
 
Não menos importante, porém, é o espólio artístico e documental, atendendo, inclusive, ao facto de ter sido a Misericórdia – queira-se ou não – a herdeira de boa parte do que se salvou da Igreja Paroquial da Ressurreição, localizada não muito longe, onde hoje está o largo da estação, templo que o terramoto de 1755 destruiu quase por completo e não chegou a ser reconstituído. Já aqui houve ocasião de recordar, por exemplo, na edição de 27 de Fevereiro de 2021, sob o título «Os santos rejuvenesceram!», a mui louvável obra de restauro levada a efeito na estatuária. E a partir de agora ela pode ser apreciada.
Nas páginas que tanto a Câmara como a Misericórdia detêm nas redes sociais se poderão ver imagens tanto da cerimónia como do recheio museológico em exposição. Logo se dará conta da equipa que levou a bom termo o empreendimento; por agora, alguns dos aspectos que se nos afiguram dignos de realce, sem se esquecer e louvar a bem adequada apresentação museológica:
– a descoberta de um retábulo pintado, com a vista de uma cidade muralhada (Jerusalém?), que desde finais do século XVIII (pensa-se) estivera oculto;
– a conservação, na sacristia, do lavabo, com a torneira primitiva;
– a placa onde se anotava o nome do irmão que mensalmente devia encarregar-se expressamente da administração da Santa Casa;
– o sudário, pano com a representação da face de Cristo, que, na altura da procissão dos Passos (de grande tradição em Cascais), a Verónica mostrava, cantando a sua dor;
– os preciosos panos de altar que lograram conservar-se da igreja da Ressurreição.

Alfaias litúrgicas, esculturas e pinturas antigas integram, como não podia deixar de ser, um percurso museológico de grande riqueza e significado, que fará seguramente as delícias de todos os visitantes.

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Duas Linhas, 12-04-2022: https://duaslinhas.pt/2022/04/o-museu-da-misericordia-de-cascais-concretizacao-duma-aspiracao-antiga/

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