sábado, 15 de novembro de 2014

Casais Velhos - ali bem perto do mar do Guincho

            Sim, por ali teriam existido muros de casas que, de tão velhas, foram deixando de o ser. Além disso, haveria soleiras e ombreiras bem talhadas no lioz local – e era uma pena não as reaproveitar nas casas, mais novas essas, que se iam erguendo mais para o interior, como que a querer fugir do mar. Eram… «casais velhos», quiçá do tempo dos Mouros, sabia-se lá!... Bem conhecidos, portanto, de pastores e lavradores, que topavam nas pedras e, uma que outra vez, por ali acharam moedas e deram com alguma estranha caveira.
            Casais Velhos é um povoado romano, que prosperou pelo menos até ao século V da nossa era, a crermos nas poucas numismas que por ali se encontraram e se conseguiram recuperar. Classificado como imóvel de interesse público desde 25 de Junho de 1984, foi alvo de intervenções arqueológicas nomeadamente na década de 60 do século passado. E se o escolhi para o incluir nesta série de locais de um «Portugal desconhecido» foi porque, na verdade, o temos logrado manter nalgum recato, ainda que se localize bem perto do Guincho, uma das zonas de praias mais concorridas de Cascais.
            Teve muralha; alimentava-o um aqueduto, de que ainda há vestígios; seus habitantes usufruíram de termas de águas quentes e frias… Contudo, o que mais impressionou os arqueólogos foi o facto de, dentro de edifícios, haver estranhas tinas com tampa que se diria hermética. O mistério parece, porém, que foi desvendado, imagine-se, por se ter verificado, numa lixeira, abundância de conchas de purpura haemastoma, búzio marinho donde, macerado, se extrai a essência da púrpura, a cor dos mantos imperiais e das amplas barras das togas dos senadores romanos.
            Reza milenar tradição que foram os Fenícios os ‘inventores’ da púrpura. O achado dos Casais Velhos, por um lado, e o facto de por aqui abundarem os carrascais, onde se desenvolve a cochonilha, também ela fornecedora de adequada coloração carmim para os tecidos, levam-nos a pensar que – misturando ambos os produtos – os habitantes romanos dos Casais Velhos sabiamente lograram obter não uma contrafacção purpúrea mas algo que muito se assemelhava a esse requinte e que bastante mais barato lhes ficava, pois então! E o oceano ali tão perto – por onde o produto se poderia escoar!...

Publicado em Portugal-Post [Correio Luso-Hanseático] (Hamburgo), nº 56, Novembro de 2014, p. 16, integrado num ‘caderno’ sobre «Portugal desconhecido».

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