sexta-feira, 15 de maio de 2015

A parábola do Bom Pastor

             À homilia, o sacerdote encetou diálogo com as crianças que iam fazer a 1ª comunhão. Perguntou-lhes o que é que o bom pastor faria pelas suas ovelhas, se seria capaz de morrer por elas e qual era, de um modo geral, a sua preocupação em relação ao rebanho e aos lobos.
            Ouvi-o atentamente. Apercebi-me do balbucio hesitante dos meninos, de uma que outra frase feita apreendida nas sessões da catequese e dei comigo a pensar:
            É deveras sugestiva essa parábola dos evangelhos, plasmada, inclusive, na designação de «pastor» que o ministro do culto tem em parte das confissões cristãs. Mas quem é que a compreende realmente agora, vivendo (como essas crianças vivem) num ambiente urbano, sem rebanhos nem ovelhas nem pastores de verdade? Um mundo que desapareceu, de facto, do nosso quotidiano habitual e que, por isso, procura ser revivido, por exemplo, nas chamadas «quintas pedagógicas» e até nos jardins zoológicos onde também estão a entrar os animais que eram outrora do nosso dia-a-dia e que, hoje, deixaram definitivamente de o ser.
            Recordo como meus netos se admiram quando o vizinho – que tem curral junto à ribeira próxima – adrega trazer as cabrinhas para pastarem naquele lote do bairro ainda sem construção. Recordo a admiração dos meus estudantes quando, pela villa romana de Freiria, no interior do concelho de Cascais, passava o último e resistente rebanho das redondezas e se deliciavam a ver os cordeirinhos.
            E quando ouvi cantar o salmo 22 – «O Senhor é o meu pastor, nada me falta. Em verdes prados me faz recostar. Conduz-me junto das águas refrescantes para repousar» – recordei, claro, essa frase pintada nos pára-choques dos camiões das grandes rodovias brasileiras, mas não pude deixar de me perguntar:
            – É a parábola do Evangelho que deve ser actualizada ou, ao invés, será preferível que regressemos já a essoutro modo de vida, muito mais sereno e saudável, mesmo que, a determinado momento, posso tocar o telemóvel e as ovelhas olhem, admiradas, para o pastor e ele lhes diga, todo contente e de olhos a sorrir: «É pra mim!...».
                                           José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde). nº 662, 15-05-2015, p. 12.

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