sábado, 16 de julho de 2016

Eu sou… o quê?...

            Escrevo ainda na euforia da vitória de Portugal sobre a França, porque não me é possível deixar de sublinhar o imenso carácter inventivo do nosso Povo. Hoje, segunda, 11, chovem a cada segundo os ditos, os chistes, os cartuns, cada um mais original que o outro, de nos fazer rir a bandeiras despregadas, perante o mau perder dos Franceses (nem sei se deveria escrever com maiúscula – o que é que diz o Novo Acordo Ortográfico?).
            O que se inventou para explicar porque é que a Torre Eiffel, primeiro iluminada com as cores gaulesas e não com as portuguesas e, pouco depois, ficara imersa na escuridão não lembraria a ninguém – e não se fala mais no assunto. Mas, claro, ficou-nos de emenda, porque ainda temos bem presentes as imagens de quantos portugueses (e foram milhares!...) não hesitaram em pôr no seu perfil do Facebook: «Je suis Charlie» ou, com a bandeira francesa por fundo, «La France sommes nous». Pois…
            Quando visitou a Expo’98, o presidente Jacques Chirac admirou-se de não ver aí o francês como língua oficial. Explicou-se-lhe que já pouca gente compreendia. E quando, a 3 de Maio de 2001, num seminário ao mais alto nível no Instituto Franco-Português, em Lisboa, se debatia o decréscimo do uso da língua francesa, eu perguntei a quem representava, na ocasião, o departamento de promoção da língua que receitas nos trazia de Paris.
            – Nenhumas! São os senhores que devem pensar nisso! – respondeu-me.
            Pois não pensámos.
            São inúmeros os livros e os filmes sobre a emigração portuguesa para França, a salto, nas décadas de 50 e 60, e rara será a família que não tenha parentes em França, de várias gerações já. Foi, porém, Júlia Néry uma das primeiras a tratar literariamente o tema. O seu livro «Pouca terra… poucá terra…» (Edições Rolim, 1984) termina desta forma, que ora, 32 anos depois, obviamente, dadas as circunstâncias, me dispenso de comentar:
            « – Quando o desemprego se vislumbrar, muitos franceses começarão a ver o emigrante com maus olhos… quererão pô-lo na fronteira… poderá começar uma nova forma de racismo… E depois?
            […] Só quando o comboio parara em Vilar Formoso, Leonor encontrara dentro de si a resposta a dar a Cathy:
            – E depois muitos filhos de portugueses nasceram já em França e alguns optam pela nacionalidade francesa.
            E depois, minha amiga Francesa, nós entraremos pelo vosso sangue, pela vossa Língua, pela vossa História, pelos vossos hábitos, que o português é semente que em qualquer terra dá fruto…» (p. 161).         
                                                                          José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 689, 15-07-2016, p. 11.

2 comentários:

  1. Júlia Nery
    17/7 às 8:04
    Sentido crítico apurado, como sempre. Obrigada por valorizar minhas palavras.

    ResponderEliminar
  2. Agradeço os comentários, que abaixo transcrevo:

    Francisco Ramalho Claré
    Ontem às 15:30
    Muito bom, compadre! Abraço.

    Ana Teresa
    Ontem às 16:01
    Excelente, como sempre, meu caro Professor!

    António Duarte Ferreira
    Ontem às 16:22
    Um Abraço ao Professor Encarnação!

    Sonia Carmona Antunes
    Ontem às 17:38
    Como sempre,gostei imenso! Está excelente, Caro Professor e amigo.

    Margarida Lino
    Ontem, às 18.25
    Meu amigo, uma vez mais e como sempre,um tabefe com luva de pelica! Gostei. Bjs!

    ResponderEliminar