quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O baraço

            Enviei um livro por via postal. Fiz o embrulho com papel pardo e atei-o com um baraço. Regozijou-se o destinatário e agradeceu-mo (e peço desculpa por manter a frase em castelhano, que bem se compreenderá) «porque entre tantas bolsas autosellantes y acolchadas, el papel de estraza y el cáñamo trae recuerdos no muy lejanos pero ciertamente pasados». Eu nem pensara nisso – e fiquei naturalmente contente!
            E, claro, achei que baraço era bom termo para uma conversa, até porque me recordo da admiração que tive, quando uma colega minha, espanhola também, anunciou, toda contente, que estava… «embarazada», grávida! Filhos são um dom; mas lá diz o ditado «Quem tem filhos tem cadilhos» – e lá estamos nós, de novo, no campo da fiação, e não da filiação – que esses, os filhos, nós queremos é que sejam… desembaraçados!
            Baraço é mais uma das palavras concretas que pertence à nossa herança árabe: «maras», assim se diz em árabe. E não é que ao vocábulo está ligada, de modo específico, uma conotação violenta? Diz-se que é «laço para estrangular»; e, por isso, lá pelas idades médias, se contava que havia uns senhores «de baraço e cutelo», ou seja, que podiam dispor, a seu bel-prazer, da vida dos súbditos, enforcando-os ou cortando-lhes a cabeça! Se já se viu?!...
            Pela minha parte, enquanto os tiver, prefiro atar com baraços as encomendas que vou enviando…
                                                              José d’Encarnação
Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 213, Outubro de 2016, p. 10.
 

2 comentários:

  1. Isabel Luna 12/10 às 23:59
    Também adoro uma encomenda bem atada. :)
    Ainda há quem se esmere a fazer embrulhos perfeitos, "comme il faut".

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  2. Ana Maria Caridade
    Que saudades que me deu agora da minha mãe, que era do Minho, e que também usava a palavra baraço para se referir a uma fita e a palavra embaraçada para dizer que estava encabulada!

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