Estreou
no Teatro Gil Vicente, em Cascais, no sábado,
4, a revista «Gil Vicente em
Revista», produ
ção do Grupo Cénico
da A. H. dos B. V. de Cascais, com encena
ção
de Luís Lourenço. O objectivo: evocar o que, ao longo de cem anos, ali se tem
feito de teatro amador. E quantos tiveram a dita de assistir viram, de
imediato, quanto labor ali se desenvolveu, devido à carolice de uns quantos,
que não querem – de forma alguma! – deixar morrer a tradi
ção.
Pronto:
a notícia estava feita; os dados principais lançados e… partia-se para outra! Jornalisticamente,
decerto nada haveria a apontar, até porque o Grupo já estivera no «Portugal em
Directo» na RTP 1 e em programas de rádio e estava tudo dito.

Não
estava. E daí o título. Não apenas porque essa é uma frase que se acentuou – «O
Teatro são as pessoas e essas são eternas!» –, mas sobretudo porque foi logo
isso que se sentiu ao entrarmos no nosso Gil. Encontrámos pessoas, convivemos
com pessoas, sorrisos, abraços e beijos, fortes apertos de mão… uma família! A
Cascais autêntica! Em contraste com a «despersonalização»
quotidiana em que estamos embrenhados,
neste emaranhado de leis de que temos sérias dúvidas se são pensadas por
pessoas ou por autómatos programados por um Big Brother qualquer. E esta proclamação do valor das Pessoas carece de ser bem erguida. De
modo especial pelo teatro de revista, porque ele permite, através de variados
quadros, focar criticamente o quotidiano que nós vivemos e não aquele imaginado
em herméticos gabinetes políticos.
E
viu-se. E sentiu-se. Logo os primeiros acordes, após as pancadinhas de Molière,
suscitaram palmas ao ritmo compassado. E assim do princípio ao fim.
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Varinhas e pescadores - a Cascais d'outrora!... |
O
ancião estava sentado. Por detrás dele, no ecrã, esse longo percurso teatral, aplaudido.
Mormente a Senhora dos Navegantes, como que o ex-líbris do Grupo. Vieram
pescadores. Varinas (já não as há, estão é nas grandes superfícies). O primeiro
amor. A menina que nasceu de doze meses, sempre atrasada na vida, a que resta a
consolação de que há-de chegar
atrasada ao seu funeral. Os preços das bancas no Mercado da Vila. A nova colecção de nabos que anda por aí. A peixotaria. A menina
que só ataca nos Oitavos. O adereço que ficou tem-te-não-caias, comprado nos
chineses da Luta. A horta do convento de freiras: tomates práqui, tomates práli
e pepinos mirrados… Afinal, em vez
dessa horta, pode ir ver-se outra com muitos nabos, noutro Convento, o de S.
Bento. O sem-abrigo: «Deus te abençoe, meu filho!», diz-lhe o transeunte bem
posto, «tens bom corpo para trabalhar!». «Bom corpo tenho, não tenho é trabalho!».
Sem-abrigo, palhaço que anda a rebuscar no lixo algo com que matar a fome:
«Conheço muitos palhaços de fato e gravata e esses não andam ao lixo».
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Ternuras de recém-casados que sonham |
A
visita do casal a uma herdade. Olha, aqui são as coelheiras; os coelhos, sabes,
aquilo é uma alegria, «foi um
instantinho, não foi?». Uma alegria.
Já ali, na capoeira, é capaz de ser uma vez por semana. E a mulher a preferir a
história dos coelhos. E o marido a não saber que dizer, embora a história da
capoeira já lhe agradasse mais. E aqui é a vacaria; o boi vai lá uma vez por
ano. «Vês, mulher?». «Vejo, pois. E tu já viste o que ele tem na cabeça?»…
No
hospital, pulseira vermelha. Passou um: «Espera que já te atendo». Passa outro:
«Espera que já te atendo». Duas horas depois, morreu de angústia, o coitado!
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A geringonça? |
Toques
na política, local ou geral, nadinha! Crítica social, sim. A mulher mouca que
ouve tudo ao contrário. O casal de gagos que pára a palavra na sílaba onde não
deveria parar. As coscuvilhices: «Tu conheces, filha!»…
Um
texto, portanto, para rir a bandeiras despregadas, servido por adequada
partitura musical, cenários a condizer, actores que sabem desenrascar-se a
preceito, figurinos de deixar de beiça caída o que de melhor se faz no Teatro
que não é popular.
E,
claro, era aqui que cabiam os nomes desses actores e dos responsáveis por cada uma dessas peças de que a ‘geringonça’
tão belamente se compôs. Peço perdão: não tive tempo de copiar a folha que
estava cá fora no átrio e onde vinha tudo explicadinho tintim por tintim.
Prometo que copio para a próxima.
Ah!
Falta uma palavra: PARABÉNS, em letras bem gordas! Bem hajam por nos ajudarem a
continuar Cascalenses de verdade!
José d'Encarnação
Publicado
em
Costa do Sol Jornal, nº 173,
08-02-2017, p. 6.
Fotos retiradas, com a devida vénia, da página do Grupo Cénico no FB.