segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Acarear água

            De madrugada, no Verão, em tempo de férias, ia eu com minha tia Chica ao poço do Corotelo acarear água. Já se sabia onde era a parte mais funda e lá descia o balde de mansinho, a apanhar a água que a nascente ajuntara durante a noite. Deitava-se no fundo para a água entrar e, de novo, devagar, puxava-se a corda, a deslizar no ‘rego’ luzidio que, com o uso, o cordame cavara na pedra do beiral. Despejava-se com o funil na enfusa de zinco, porque nem uma gota se poderia perder, que as bicas dos Vilarinhos ainda ficavam longe e era preciso ir lá de burra, os cântaros um de cada lado do alforge. O poço do Corotelo, mau grado obrigar a madrugar, sempre estava mais perto e, ao nascer do sol, tinha mais. Era o tempo em que poucos podiam carrear uns tostões para se abalançarem a mandar abrir cisterna; e os Verões vinham mediterrânicos à séria, com chuvas raras e muito calor.
            Consultei o Dicionário da Academia e lá está, como terceira opção, o significado de «juntar haveres ou dinheiro», citando-se Manuel Ribeiro (A Planície Heróica): «Vivia escapatoriamente, acareava o seu vintém». Aponta-se como etimologia a palavra «cara», com base no facto de ‘acarear’ ser, comummente, termo dos tribunais: pôr alguém cara a cara, para testar reacções e averiguar a verdade das declarações.
            Creio, porém, que estamos perante um caso de homonímia: palavras iguais, significados bem diferentes. Acarear é, aqui, corruptela de carrear, que o povo adoptou por ser de mais fácil pronúncia, ajuntando-lhe inclusive o prefixo a-, que ainda abranda mais a sonoridade. Deve, pois, relacionar-se etimologicamente com carro, donde vêm igualmente ‘acarretar’ e ‘carrejar’.

                                                           José d’Encarnação

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 217, Fevereiro de 2017, p. 10.

6 comentários:

  1. Vitor Barros
    6/2 às 18:48
    Conta-me a minha mãe que por vezes chegava-se lá e havia já gente à frente à espera e era esperar e esperar e por vezes vir sem que a rocha parisse uma gota sequer… Chegava a ir à Alface (sítio a caminho de Faro a uns bons sete, oito quilómetros) a pé, pois havia lá uma fonte que nunca secava e sempre se conseguia apurar uma quartazinha dela…! Tempos difíceis que parecem agora tão longe mas que continuam a morar dentro de muita gente ainda. Abraço!

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    1. Obrigado, Vítor! Para que conste. Para que as novas gerações tenham consciência daquilo por que passámos...

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  2. Isilda Neves, 6-2-2017
    Tempos difíceis, mas que deve recordar com saudade ! Sua mãe era uma senhora amorosa! Felicidades, Sr. Dr. José.

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  3. José Dinis, 7-2-2017
    No final doas anos sessenta, em Tavira, à porta de uma casa humilde, uma senhora pediu-me dois tostões por um copo de água. Só agora me dou conta, dos trabalhos por que poderia passar para ter em casa uma bilha com água!

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  5. O texto é muito bonito, didáctico, saudosista, uma preciosidade que gostei de ler pelo tanto que aprendi. Mas nada mais vou dizer porque em todos estes comentários há experiências significativas que eu não saberia expor tão bem.

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