Tapete de Arraiolos |
Foi
crescendo, crescendo e acabou por ouvir, às vezes: «Olha, tirou-lhe o tapete!».
E percebeu: o senhor apoiava-se em alguém, que estava sempre a seu lado, até
que, um dia – zás! –, tirou-lhe o tapete de debaixo dos pés e o senhor tombou.
Aliás, até veio a conhecer alguém a quem, por graça, os companheiros chamavam
«Monsieur Tapis», porque era assim uma espécie de «yesman», daqueles que
concordam sempre com tudo o que o senhor diz. Esse Monsieur Tapis era assim. Um
dia, no entanto, desertou, e o senhor de quem ele era o «tapis», ficou sem
tir-te nem guar-te e muito admirado com o que lhe acontec era.
Onofre
gosta muito, por exemplo, de ver na televisão, os senhores ministros serem
apanhados pelos jornalistas. Estão num evento sobre batata -doce,
mas os jornalistas estão-se borrifando para a batata -doce
e querem é saber da Caixa Geral de Depósitos, dos juros, dos empréstimos, se
vai haver verbas para a calamidade do dia anterior… E Onofre gosta porquê?
Porque, ao lado do senhor ministro, como a senhora Trump, eterna e bem
decorativa junto ao marido, há sempre dois ou três senhores, muito sérios,
muito bem postos, sem tugir nem mugir, gravata no sítio, mas… a câmara da
televisão gravou-os bem e eles estiveram junto do senhor ministro quando ele
fez aquela declaração bombástica.
Onofre, nessas alturas, lembra-se sempre de Monsieur Tapis. Eles não são
tapetes porque estão de pé e tapete quer-se no chão, para ser pisado, usado a
nosso bel-prazer; mas também Monsieur Tapis não andava de rojo, mas era como se
andasse.
Logicamente,
Onofre tem tapetes em casa. Não os comprou todos aos ciganos. Um dia, caiu na
armadilha, porque lhe bateram à porta e com falinhas mansas, peça única, barco
que chegara há pouco lá do Médio Oriente, e o diacho do tapete até parecia
mesmo verdadeiro e… comprou! Mais tarde, quando um amigo lhe deu tapetinho
turco verdadeiro, é que percebeu que era preciso ter num dos cantos o selo de
garantia. Também não tem Arraiolos; só daqueles comprados na praça («leve,
freguês, que vai bem servido!»). Tem tapete aderente na banheira, isso tem,
porque já muitas vezes o avisaram que cair na banheira é o cabo dos trabalhos.
Mas… tem outro tapete na casa-de-banho, que, até há uma semana, usava para pôr
os pés ainda molhados quando saía do duche. Depois de se secar, começava a
dança do vestir: tira as sapatas (que são fechadas atrás) e veste as cuecas;
calça as sapatas; depois, descalça as sapatas para enfiar os colãs (Onofre
carece de aconchego nas pernas); volta a caçar as sapatas; é altura, agora, de
vestir as calças e lá descalça as sapatas. Ah! Mas faltam as peúgas, toca a descalçar-se
de novo para entrarem as peúgas… E era este calça-descalça todos os dias, até
que Onofre… descobriu para que é que servia o tapete! Podia ficar descalço em
cima dele durante o tempo todo, desde as cuecas às peúgas!... Agora é outro
Onofre!
E,
ao ver o tapete vermelho das grandes recepções e das galas no Coliseu ou no
Casino – está lá uma hora que seja e depois desaparece, tal como as vedetas que
mui prazenteiramente o pisaram; ao ver os ‘tapetes’ solenes, impecavelmente engravatados,
junto das declarações do senhor ministro perante as câmaras… Onofre dá consigo
a pensar na efemeridade de uns tapetes e no consolo que tem ao usar, na sua
casa-de-banho, um tapete reles, que não é turco nem de Arraiolos e que lhe
serve às mil maravilhas. Claro, às vezes, enquanto faz as suas abluções
matinais, também esse se transforma em tapete-voador e nele monta em demanda de
um mundo sem tapetes volúveis; mas cedo desce à realidade, que as águas estão
frias e ele resiste a usar a água quente!...
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 175, 22-02-2017, p. 6.
Alice Sousa
ResponderEliminarah ah ah esse foi pior que eu quando era pequena me sentei num ...e fiquei à espera que levantasse voo... Nunca mais, claro! Boa tarde, abraço!
Neyde Theml
ResponderEliminarComo seria bom, na minha situação atual, ter um tapete voador!...
Fernanda Valdez Carreiro
ResponderEliminarCaro Zé Manel
Esta descrição é bem elucidativa da finalidade dos «tapetes» - servem para todas as ocasiões - com ou sem os pés molhados… É ao gosto do freguês. Um abraço e venham mais! - Edgar
Aurora Martins Madaleno 22/2 às 22:50
ResponderEliminarE vai daí, a segurança foi-se num ver se te avias! Achei graça à história do Onofre e encontrei logo umas quantas semelhanças...
Margarida Lino 23/2 às 17:24
ResponderEliminarMeu amigo, muito interessante esta tua crónica. Coitado do Onofre, só muito tarde percebeu qual o uso do tapete.
Eu, se tivesse um tapete voador neste momento, voava para as Ilhas Maurícias, para dar um abraço à Sandra! Bj!
Aurora Martins Madaleno 23/2 às 17:30
ResponderEliminarPrimeiro, eu ia pôr os euros a salvo, antes que por aqui voe tudo com ou sem tapete. Já não sei se os euros que recebo chegam para todos os pagamentos a fazer. Sobe a água, sobe a luz, sobe o gás, sobem as hortaliças e só baixa o dinheiro da conta bancária...