sexta-feira, 19 de maio de 2017

Envelhecer em Portugal

            A situação dos idosos em Portugal não diferirá muito do que se estará a passar nos demais países europeus, por duas razões: o aumento da esperança de vida e a diminuição do núcleo familiar.
            Quanto ao aumento da esperança de vida, ele é evidente, com todas as consequências que traz.
            Exemplifico.
            Num dos nossos lares da chamada Terceira Idade, gerido pela Santa Casa da Misericórdia de Cascais, a média de idade dos utentes era, na década de 90, sensivelmente, de 65/70 anos. Isto permitia, por exemplo, programar actividades como visitas de estudo, organizar salas de trabalhos manuais, preparar festas em que os próprios utentes se incorporavam e dançavam o folclore tradicional. Eu próprio lá fui fazer conferências sobre temas de história e era compreendido e apreciado. Hoje, a média de idade anda pelos 85/90 anos; ou seja, nenhuma dessas actividades já é realizável e, por outro lado, se, naquela altura, os utentes gozavam de bastante autonomia no vestir-se, no lavar-se, inclusive na toma de medicamentos, na actualidade, são necessárias, amiúde, duas funcionárias para ajudar cada um a levantar-se, a vestir-se, a tomar banho, a deslocar-se para o salão principal (porque se procura evitar que o utente passe o seu dia no quarto).
            Por isso, esse aumento de esperança de vida veio criar uma nova realidade nas instituições que lidam com a população sénior: se, até então, os serviços tinham uma componente maioritariamente social e lúdica, hoje têm uma componente essencialmente ligada aos cuidados de saúde (quer médicos quer de enfermagem quer de fisioterapia ou reabilitação). Inerente a esta nova realidade, novas solicitações e novos desafios, bem como novos custos, sufocam as famílias e as instituições que não estavam preparadas para o que fazer.
            A diminuição do núcleo familiar, consubstanciada na diminuição do número de filhos e, consequentemente, de netos, acrescida da necessidade de todos terem o seu emprego (sair de manhã e entrar em casa à noite) faz com que as visitas aos idosos sejam cada vez mais raras e não se poder contar, por exemplo, com o familiar que dantes vinha ajudar o utente a comer. Dir-se-á que o voluntariado pode suprir essa falha. Poderia – se houvesse voluntários com o espírito de dedicação que essas tarefas implicam, além de que nem sempre isso implica, para os mais novos, ‘benefício’ curricular...
            Dir-se-á, ainda, que o tecido social da população sofreu profundas alterações: se, há 25 anos, a maioria dos idosos não sabia ler nem escrever e tinha uma escolaridade baixa com profissões pouco diferenciadas, onde abundavam as pensões sociais ou rurais, hoje, quem recorre aos serviços das instituições sociais e/ou privadas não só teve uma vida activa e contributiva diferenciada (diversos subsistemas), mas aparecem, com frequência, idosos com cursos superiores; e também os filhos, na sua grande maioria, têm graus de escolaridade superior, o que vem a conferir um grau de conhecimento/exigência maior aos serviços que as instituições prestam.
            Foi uma excelente medida criar-se um Fundo de Desemprego, isto é, a possibilidade de um desempregado poder usufruir de uma compensação monetária mensal; foi igualmente benéfico estabelecer montantes de reformas que permitam ao idoso saudável viver com alguma dignidade. Há, porém, o reverso da medalha: a necessidade de mudar as mentalidades – tarefa da maior dificuldade – no sentido de levar as pessoas a dedicarem-se ao voluntariado ou, simplesmente, a prontificarem-se a tomar conta dos «seus» velhos, isto é, os da sua família!
            A tarefa primordial que se nos põe, por conseguinte, pode consubstanciar-se fundamentalmente na necessidade de lutar por uma mudança de mentalidade: o que é envelhecer? Como preparar o envelhecimento? Ouve-se, com muita frequência, afirmar: «Quando eu me reformar, vou fazer uma série de coisas que, neste momento, com a pressa com que vivemos, não me é possível concretizar». Sucede, porém, que, ao chegar a reforma, dá a impressão de que todos esses bons propósitos se esqueceram!...
            Na actualidade, o lema está patente no aparente trocadilho da palavra «envelheser», um composto de envelhecer + ser. Queremos que os nossos velhos «sejam», se reconheçam como pessoas, assumam uma atitude mais activa no seio da comunidade em que se inserem: a família, o lar ou, melhor ainda, a comunidade. Por isso, na medida do possível, há um programa semanal em praticamente todos os lares dignos de tal nome, em que se contempla, por exemplo, uma sessão de cinema, uma aula de movimento, a ida a um museu ou a uma exposição específica... E se permite que, em determinado horário, o utente possa ser visitado pelo seu animal de estimação que, durante tantos anos, lhe fez companhia (uma espécie de «pet hour» sempre aguardada com enorme ternura!).
            Finalmente, uma atitude que não será exclusiva de Portugal: a fuga, cada vez maior, dos jovens, não apenas para os aglomerados urbanos do litoral. mas também – e a tendência está a acentuar-se de forma assustadora – para o estrangeiro. O interior desertifica-se; há aldeias com três ou quatro velhotes, perdidas no meio do campo. Tardam políticas que evitem eficazmente essa sangria e nem as constantes reportagens passadas nas televisões contribuem para que os políticos (mais preocupados com os milhões da dívida externa que foram – e vão! – contraindo…) lancem um olhar atento e eficaz para essa situação.
            Nem tudo, porém, é negro. Perante as escassas oportunidades que mesmo o litoral lhes facultam, estão a criar-se associações de jovens formados nas universidades com o objectivo de revitalizar as potencialidades do campo, da chamada agricultura biológica, do turismo rural. Isso vai contribuir também para diminuir o isolamento dos idosos – e essa constitui, na verdade, uma excelente perspectiva para, sendo considerados pessoas, os anciãos, verdadeiras bibliotecas vivas, encarem com outros olhos o seu envelhecer.
                                                                     José d’Encarnação

Publicado em Portugal-Post (Correio luso-hanseático) [Hamburgo], nº 61, Maio de 2017, p. 14-17 [texto bilingue: português-alemão].
Fotos gentilmente cedidas pela Santa Casa da Misericórdia de Cascais, a ilustrar aspectos da vida quotidiana na Residência Sénior de Alcoitão.
                                                                         




   

3 comentários:

  1. Maria Salomé Celestino Soares 19/5 às 14:3
    Essa Juventude que nos transporta MEMÓRIAS! Agradeço todos os dias por ter o privilégio de partilhar histórias com muitos deles, dispersos no nosso concelho! Bom fim de semana, meu amigo :-)

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  2. Isilda Marques 19/5 às 14:33
    Vivi nos últimos dois anos com a minha família grande parte das situações descritas, com o meu pai, falecido recentemente, passamos por situações dramáticas, não só com ele, mas com todos os idosos que coabitavam com ele. Muito doloroso vê-lo a precisar de cuidados primários de saúde, frágil e doente. Nunca lhe faltámos com nada, meios materiais, visitas, carinho, mas existiam idosos na mais completa dor da solidão, bem tratados com todos os cuidados essenciais, mas aqueles olhos de tristeza e solidão, marcaram-nos para sempre. Sabe, eu acredito no amor, e a verdadeira revolução tem de ser por aí, de dentro para fora, não adianta reivindicarmos bens materiais, se temos um coração vazio de fraternidade de uns para com os outros.. E os idosos precisam sobretudo de atenção, interacção e afecto. Isto faz nos idosos verdadeiros milagres. Testemunhei e senti isso. Um abraço, professor e grata por esta partilha que me emocionou. Tenha um fim de semana com harmonia...

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  3. Neyde Theml 19/5 às 15:46
    A sociedade não se preparou para a longevidade e, aí, ficamos na mesma situação de crianças abandonadas. Costumo dizer que tudo isso é "de amargar".
    Bom dia!

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