quinta-feira, 4 de maio de 2017

Uma outra Cascais… ali a dois passos do centro!

             Realizou-se, na manhã de sábado, 29, por iniciativa da Farmácia Cascais, uma caminhada, a Rota das Ribeiras, que congregou cerca de meia centena dos seus habituais clientes. É a primeira de uma «caminhada anual», que há intenção de fazer, não apenas para fomentar o movimento e dar a conhecer recantos porventura quase ignorados do concelho, mas sobretudo para cimentar comunidade.
            Guiou-nos, na parte respeitante à Ribeira das Vinhas, uma das moradoras mais antigas da vetusta quinta sita no canto sudoeste da encosta entre a Av. 25 de Abril e a R. José Florindo. Contou-nos do que eram os hábitos, ali, nos anos 50, e, no troço inicial do percurso, a norte do mercado, falou-nos, por exemplo, das grutas aonde outrora se acoitava a população aquando dos ataques dos piratas. Não podemos esquecer que se chama Outeiro da Vela a colina a nascente, porque os cascalenses ali se revezavam na «vela» da barra, a vigiar a entrada de embarcações na baía. Uma dessas grutas terá mesmo assumido funções idênticas às do Poço Velho, ou seja, ali terá havido ocupação humana no mesmo período, a Pré-História.
            Seguimos, pois, o percurso em boa hora recentemente inaugurado pelas entidades locais, junto ao leito da ribeira, ora inteiramente seco, mas limpo. Vimos como a encosta a poente, de pinhal, mantém os muretes que sustinham os socalcos; mas encantou-nos, sobretudo, o facto de os terrenos do vale estarem a ser aproveitados para mui vicejantes hortas. Por ali medram tomateiros, alhos, cebolas, ervilhas, milho-miúdo, feijão, couves, alfaces… E, mais além, a pachorra de um rebanho de ovelhas e a traquinice dos cabritinhos…
            Aqui e além, um marmeleiro em flor (lá mais para montante, recorde-se, a ribeira chama-se popularmente «Rio Marmeleiro»…). Uma senhora, de lenço na cabeça e botas de borracha, ajeitava com a enxada a cova junto a um loureiro:
            ‒ Preparando a terra para a sementeira, não?
            ‒ Ná, agora já não se sameia nada, senhor!…
            Enfim, uma outra Cascais, serena e sem ruídos – o rebuliço do mercado ficara lá bem para trás… – ali a dois passos do centro da vila, no convite a uma caminhada tranquila, na comunhão com a Natureza. Vinhas já não as há – uma que outra latada, só – que a moléstia do míldio tudo matou há mais de um século. Mas ficou o nome e o topónimo Alvide também essa antiga paisagem recorda.

O parque urbano dos Mochos
            Subimos pela Rua das Quintas. Fez-se paragem «técnica» na Farmácia e demandámos o Parque Urbano da Ribeira dos Mochos (a que eu prefiro chamar do «Rio dos Mochos», porque, habituado às cheias que ele tinha, em Birre, pelos Invernos mais rigorosos, o povo assim lhe chamava).
             Um outro panorama, claro, mas passível de mostrar como, também aí, apesar da proximidade do Atlântico, medram as espécies vegetais mediterrânicas: o zambujeiro, o carrasco, o medronheiro, a alfarrobeira, a oliveira (e que bem carregadas de candeio elas ora estão!...). E a variedade enorme de pássaros, sobre que José Manuel Durão fez o livro «Aves da Ribeira dos Mochos» (Cascais, Julho de 2010), após ter passado horas a fio, anos fora, a observá-los ali. Um casal de coelhos olhou-nos, admirado, e os casais de humanos que connosco se cruzaram tinham ar interrogativo: «Que será isto? Gente de camisolas todas iguais…».
            Observámos os troços conservados do aqueduto que, em tempos, levou água ao convento de Nossa Senhora da Piedade (hoje, Centro Cultural); agradaram-nos os viveiros camarários; louvámos a iniciativa da Cruz Vermelha de no parque ter implantado uma secção da sua Academia Sénior…
            E quando, já na Rua Joaquim Ereira, nos despedimos, agradecendo o elevado interesse da iniciativa, vínhamos com apetite para o almoço, sim, mas… com apetite para mais! Noutra ocasião. Que o coração da vila de Cascais, cada vez mais despovoado de seus habitantes e enxameado de turistas, já nada tem a ver com essoutra Cascais natural que a periferia mui gostosamente ainda deixa contemplar.
                                                                            José d’Encarnação

                         Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais], nº 185, 03-05-2017, p. 6.
O enigmático castelinho da Zé Florindo, visto da ribeira

Ribeira vai seca, mas o leito mantém-se limpo. Uma bênção!

Que de histórias tem ainda a ribeira para contar!...

Retoiçam, tranquilas, as ovelhas e as cabras;
e o centro de Cascais ali tão perto!... Quem diria?

Nos viveiros camarários do Parque do Rio dos Mochos,
um casal de coelhos, de orelhas arrebitadas, numa admiração...
 

8 comentários:

  1. Maria São José Lalanda
    Adorei o texto. É como estivesse a relembrar os campos junto à casa onde vivia no Estoril, há 32 anos.

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  2. Lino de Almeida
    Caro Amigo Encarnação, gostei muito do seu texto e de rever, através do mesmo, alguns dos locais que a silenciada Moravela tanto defendeu há uns bons anos, como por exemplo o Outeiro da Vela e a Ribeira das Vinhas. Quanto ao Outeiro da Vela, sabe alguma coisa do que o "destino" reserva para aquele local há muito esquecido?

    Comentário meu: Fala-se em condomínio fechado, depois de tanto se haver defendido a sua preservação para usufruti pela comunidade. Os tempos são outros, amigo Lino, e os miradouros também.

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  3. Maria Salomé Celestino Soares Obrigado, vou levar para o Pedra, bjs :-

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  4. Bela narrativa, como sempre, a despertar recordações dos tempos em que descia a José Florindo para ir buscar leite à ordenha na Quinta das Rosas, e de onde, de quando em vez subiam patos para as poças, agora e em boa hora "extintas", no Bairro do Tremil, finalmente requalificado. Obrigado caro José!

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  5. Gostei que lhe chamasse "Rio Marmeleiro" pois foi assim que os meus pais e avós me ensinaram. Comi muita enguia nos idos de 60 apanhadas ali "ao garfo". Bem haja José d'Encarnação.

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  6. Maria Manuela Baptista
    Obrigado pelo que nos ensinas!
    Um grande beijo!

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  7. Sonia Carmona Antunes
    Caro Professor e amigo,
    Um grande Bem-haja pelos seus textos, que são sempre uma aprendizagem.
    Gostei muito.

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