Para mim, ERASMUS, até então, fora
apenas o nome do conhecido pensador de Roterdão, o humanista que ousara
escrever o Elogio da Loucura e se
assumira como independente nas suas teorias teológicas e existenciais. Longe de
mim estava, naquele instante, que se tratava, sintomaticamente, da sigla de um
programa: European Action Scheme
for the Mobility of University Students,
isto é, o Programa
Europeu para a Mobilidade de Estudantes Universitários.
A ideia era fomentar a permuta de estudantes entre
universidades europeias que quisessem aderir. Criavam-se, para esse efeito, os
PICs, Participant Identification Code, que identificavam os núcleos que,
entretanto, se foram formando, reunindo em torno de uma área de estudos os docentes
interessados de diversas faculdades.
Tudo
começou, portanto, nas pessoas; ou seja, parecia-te bem que um dos teus alunos fosse
estudar com um dos professores teus conhecidos, especialista, por exemplo, em
Arqueologia Subaquática, uma disciplina que tu não tinhas em Portugal? Entravas
em contacto com ele, propunhas-lhe que integrasse o teu PIC especialmente
endereçado para a Arqueologia e assim se estabelecia o intercâmbio. Tu próprio,
como docente, além de participares nas reuniões periódicas de coordenação, serias
convidado a ir a essa Universidade fazer uma conferência ou, até, dar umas
aulas, porque o intercâmbio era não apenas de estudantes mas também de
docentes.
E
aqui entra de novo a palavra ERASMUS, relacionando-a, sem que, na verdade,
nenhuma relação houvesse, com os Humanistas e os seus conhecidos périplos para
irem à Escola Y ou Z, a fim de aumentarem os seus conhecimentos e partilharem
as suas experiências.
A
princípio, não o nego, o receio era geral. Dos estudantes e, de modo especial,
dos pais. Amiúde tive de conversar com eles, explicar o que se iria passar, garantir
que tinha nessa Universidade um colega amigo, atencioso, competente. Ainda se
não haviam vulgarizado os telemóveis e, por conseguinte, não somos capazes,
hoje, de compreender bem o que essa aventura significava. É que temos o skype,
a whatsapp, o messenger!…
Como
era minha tarefa, procurei vencer obstáculos, hesitações: encorajei o mais que
pude. Eu próprio estagiara, como bolseiro do Governo Francês, durante um
semestre em Bordéus, no âmbito da preparação do doutoramento e sentia bem
quanto essa estada me enriquecera em todos os aspectos, que não apenas no científico.
Desde Novembro de 1995 ao ano lectivo de 1999-2000, acumulei as funções de
responsável do Grupo de História com as de delegado do Conselho Directivo da
Faculdade para a supervisão de todos os programas ERASMUS.
Para os estudantes essa foi sempre
uma experiência deveras enriquecedora do ponto de vista dos estudos, da
observação de novos métodos de trabalho, da adaptação a vários estilos de
leccionação e de aprendizagem. Era-o, de modo especial, no domínio da língua do
país de acolhimento. Não, não havia essa ideia de dar as aulas numa língua supostamente
universal, o Inglês. Isso foi pecha que só mais tarde – infelizmente, a meu ver
– se instituiu! Era a língua de acolhimento! Só quem já viveu algum tempo noutro
país é que compreende o que tal significa, porque uma coisa é a língua que se
aprende nos livros e outra a do dia-a-dia. Recordo ainda a cara dos franceses
quando eu lá cheguei, a falar como se tivesse a ler um autor clássico!...
As facilidades das comunicações
tanto físicas (de transportes) como de comunicações tornaram tudo muito mais
acessível e proveitoso. E se dúvida alguma houvesse acerca dos benefícios do
ERASMUS, bastaria ouvir o programa da Antena 1, «Portugueses no Mundo»: raro
será o interlocutor de Alice Vilaça que não lhe diga que tudo começara, na sua
vida (profissional e até pessoal), com uma estada ERASMUS aquando estudante.
Apoio, por conseguinte, com todas as
veras da minha alma, o prosseguimento deste programa. E aplaudo, inclusive, a possibilidade
de, hoje, ele ser alargado aos estudantes do Ensino Secundário, desde que
devidamente enquadrados.
José d’Encarnação
Publicado em P&V – Ponto & Vírgula, jornal do
Agrupamento de Escolas de Marinha Grande Poente, edição
de Junho, p. 41.
Filomena Marques de Carvalho
ResponderEliminarData: 10/06/19 20:59
Muito obrigada por ter partilhado esta boa leitura.
Só é pena que mesmo com todas as facilidades que enumera a que os estudantes têm acesso, cada vez mais seja mais árdua a tarefa de os conseguir convencer a fazer uma mobilidade.
Bem sei que, apesar de os docentes continuarem a fazer missões de ensino, raros são os que relacionam essa atividade com a evangelização com que o Senhor Doutor e outros pioneiros, o faziam.
E essa ausência de rede faz toda a diferença.