segunda-feira, 10 de junho de 2019

ERASMUS – um caminho para a convivência

            Quando, no ano lectivo de 1988-1989, o Conselho Directivo da minha Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra me nomeou responsável pelo Programa ERASMUS no Grupo de História, estava longe de perceber o que me iria esperar.
            Para mim, ERASMUS, até então, fora apenas o nome do conhecido pensador de Roterdão, o humanista que ousara escrever o Elogio da Loucura e se assumira como independente nas suas teorias teológicas e existenciais. Longe de mim estava, naquele instante, que se tratava, sintomaticamente, da sigla de um programa: European Action Scheme for the Mobility of University Students, isto é, o Programa Europeu para a Mobilidade de Estudantes Universitários.
            A ideia era fomentar a permuta de estudantes entre universidades europeias que quisessem aderir. Criavam-se, para esse efeito, os PICs, Participant Identification Code, que identificavam os núcleos que, entretanto, se foram formando, reunindo em torno de uma área de estudos os docentes interessados de diversas faculdades.
            Tudo começou, portanto, nas pessoas; ou seja, parecia-te bem que um dos teus alunos fosse estudar com um dos professores teus conhecidos, especialista, por exemplo, em Arqueologia Subaquática, uma disciplina que tu não tinhas em Portugal? Entravas em contacto com ele, propunhas-lhe que integrasse o teu PIC especialmente endereçado para a Arqueologia e assim se estabelecia o intercâmbio. Tu próprio, como docente, além de participares nas reuniões periódicas de coordenação, serias convidado a ir a essa Universidade fazer uma conferência ou, até, dar umas aulas, porque o intercâmbio era não apenas de estudantes mas também de docentes.
            E aqui entra de novo a palavra ERASMUS, relacionando-a, sem que, na verdade, nenhuma relação houvesse, com os Humanistas e os seus conhecidos périplos para irem à Escola Y ou Z, a fim de aumentarem os seus conhecimentos e partilharem as suas experiências.
            A princípio, não o nego, o receio era geral. Dos estudantes e, de modo especial, dos pais. Amiúde tive de conversar com eles, explicar o que se iria passar, garantir que tinha nessa Universidade um colega amigo, atencioso, competente. Ainda se não haviam vulgarizado os telemóveis e, por conseguinte, não somos capazes, hoje, de compreender bem o que essa aventura significava. É que temos o skype, a whatsapp, o messenger!
            Como era minha tarefa, procurei vencer obstáculos, hesitações: encorajei o mais que pude. Eu próprio estagiara, como bolseiro do Governo Francês, durante um semestre em Bordéus, no âmbito da preparação do doutoramento e sentia bem quanto essa estada me enriquecera em todos os aspectos, que não apenas no científico. Desde Novembro de 1995 ao ano lectivo de 1999-2000, acumulei as funções de responsável do Grupo de História com as de delegado do Conselho Directivo da Faculdade para a supervisão de todos os programas ERASMUS.
            Para os estudantes essa foi sempre uma experiência deveras enriquecedora do ponto de vista dos estudos, da observação de novos métodos de trabalho, da adaptação a vários estilos de leccionação e de aprendizagem. Era-o, de modo especial, no domínio da língua do país de acolhimento. Não, não havia essa ideia de dar as aulas numa língua supostamente universal, o Inglês. Isso foi pecha que só mais tarde – infelizmente, a meu ver – se instituiu! Era a língua de acolhimento! Só quem já viveu algum tempo noutro país é que compreende o que tal significa, porque uma coisa é a língua que se aprende nos livros e outra a do dia-a-dia. Recordo ainda a cara dos franceses quando eu lá cheguei, a falar como se tivesse a ler um autor clássico!...
            As facilidades das comunicações tanto físicas (de transportes) como de comunicações tornaram tudo muito mais acessível e proveitoso. E se dúvida alguma houvesse acerca dos benefícios do ERASMUS, bastaria ouvir o programa da Antena 1, «Portugueses no Mundo»: raro será o interlocutor de Alice Vilaça que não lhe diga que tudo começara, na sua vida (profissional e até pessoal), com uma estada ERASMUS aquando estudante.
            Apoio, por conseguinte, com todas as veras da minha alma, o prosseguimento deste programa. E aplaudo, inclusive, a possibilidade de, hoje, ele ser alargado aos estudantes do Ensino Secundário, desde que devidamente enquadrados.

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em P&V – Ponto & Vírgula, jornal do Agrupamento de Escolas de Marinha Grande Poente, edição de Junho, p. 41.

1995-09-16 - Uma pausa na reunião de coordenação, na ilha grega de Córcira. PIC-F-1315 (Arqueologia e História Antiga), com representantes das universidades de Valhadolid, Bolonha, Bordéus III, Córcira e Coimbra.

1 comentário:

  1. Filomena Marques de Carvalho
    Data: 10/06/19 20:59
    Muito obrigada por ter partilhado esta boa leitura.
    Só é pena que mesmo com todas as facilidades que enumera a que os estudantes têm acesso, cada vez mais seja mais árdua a tarefa de os conseguir convencer a fazer uma mobilidade.
    Bem sei que, apesar de os docentes continuarem a fazer missões de ensino, raros são os que relacionam essa atividade com a evangelização com que o Senhor Doutor e outros pioneiros, o faziam.
    E essa ausência de rede faz toda a diferença.

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