quarta-feira, 15 de julho de 2020

Uma moedinha, por amor de Deus!

           A princípio, fazia-me espécie: por que carga de água é que, de vez em quando, se encontravam moedas nos sítios arqueológicos? Tinham os Romanos os bolsos rotos? Uma aqui, outra acolá. Sim, não eram moedas de valor, ouro ou prata, moedas eram do quotidiano, uns trocos, dir-se-ia.
            Para os arqueólogos, achar uma moeda constitui bom presente, porque a moeda apresenta elementos passíveis de uma datação e, por conseguinte, assim possibilita atribuir uma cronologia ao contexto em que se encontra.
            Além dessas moedas perdidas, mais interessante se apresenta a identificação de um tesouro. Chama-se ‘tesouro’ a uma porção de moedas propositadamente escondidas, como hoje se fala em meter as notas dentro do colchão ou em esconderijo da casa a bom recato. O proclamado «pote das libras»! Não que, em tempo de Romanos, essas libras houvesse; a libra era outra, uma medida de peso equivalente a 327 gramas; mas porque, em tempo de nossos avós, o amoedamento privilegiava a libra de ouro, o hábito era – para quem podia… – oferecer uma libra ou meia-libra de ouro por altura do baptizo. Daí a expressão «pote das libras». Escondia-se o pote, os interessados morriam e o pote lá ficava!...
            A aguardar séculos que os arqueólogos o encontrassem! Às vezes, com milhares de peças, de que são particularmente importantes, do ponto de vista histórico, a mais recente e a mais antiga, para nos darem a conhecer o período do entesouramento.
Aspecto de um tesouro de moedas romanas
            Pois todas aquelas ideias acerca do bolso roto me passavam pela cabeça, mormente quando, nas escavações, eu encontrava uma moedinha romana, até que o parque de estacionamento de terra batida perto de casa foi desactivado e eu, em passeio por lá com o Spike, dei em encontrar, todas as semanas, moedas de 1 cêntimo, 2 cêntimos, 5, 10 e, até, de 20 cêntimos! Terão sido os automobilistas que as deixavam cair inadvertidamente?... Até que me lembrei do rapaz, já falecido por sinal, que ali ajudava nas arrumações. Só podia ter sido ele, justa         mente porque as moedas apareciam no espaço em que mais se movimentava. Só podia ter sido ele! Deitava fora as moedas de pouco valor! Nos estabelecimentos comerciais, marcam os produtos a 19,99 euros, para nos darem a sensação de que não são tão caros assim; mas o João, que nunca estendia a mão «Uma moedinha, por amor de Deus!», achava que 5 cêntimos não davam para nada e só lhe pesavam no bolso!...
            Não, no tempo dos Romanos, não haveria arrumadores de bigas ou quadrigas; não duvido, porém, que, de vez em quando, caísse das mãos uma moedinha dessas e o proprietário não estivesse com vontade de se agachar por tão pouco!...

                                               José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 780, 15-07-2020, p. 12.

4 comentários:

  1. Que lindo texto. Esses passeios com o Spike estão a converter-se em autênticas aventuras, porque achar uma moeda remete para a infância, quando elas, quaisquer umas, eram mais uma migalha de um possível "tesouro". Fala também o arqueólogo, do fascínio pelas moedas romanas para datação. E essas gostava eu de achar num sítio qualquer.
    Muito grata por este bocadinho de prosa que traz sempre um raio de sol.

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  2. Ana Teresa
    20 de julho às 09:01
    Sempre me fez confusão encontrar moedas em fontes. Para que raio as atiram para lá? E já muitas vezes me baixei na rua para apanhar moedas de 1, 2 cêntimos. E sempre me fizeram jeito! Pois, não dá para entender porque uns as deitam nas fontes e outros não as apanham do chão. Eu não as deito nas fontes e apanho-as do chão e, felizmente, não preciso. Simplesmente, sou contra o desperdício.

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    1. Eu também apanho, mesmo que seja um centavo brasileiro ou dois dólares australianos, como me acontece há dias. Sempre podemos imaginar - como eu fiz - uma história por detrás de cada moeda perdida ou deitada ao chão. Nas fontes é diferente, porque uma tradição antiga, que perpassa por muitos povos desde o tempo dos Romanos, por exemplo, às fontes presidiam seres divinos, que assim poderiam ser agraciados. Atira-se uma moeda na Fontana dei Treveri, em Roma, de costas voltadas para o tanque: se cair lá dentro, voltas a Roma de certeza. Outras vezes, pensa-se que dá sorte e as 'divindades aquáticas' nos protegem...

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