Provérbio, anexim, ditado, adágio,
prolóquio – estes, alguns dos nomes por que são conhecidas as frases que passam
de geração em geração e se constituem como padrões de vida, norma de
comportamento. A sabedoria popular consagrada numa frase curta, sobretudo relacionável
com as circunstâncias do calendário agrícola e os costumes que ele determina:
«Pelo S. Martinho, vai à adega e prova o vinho», «Março Marçagão, de manhã
Inverno, de tarde Verão», «Em Abril, águas mil!».
Em tempo, como é o nosso, de
estações do ano completamente às avessas, somos capazes de sorrir desse
ancestral conhecimento. Por outro lado, é natural que amiúde se confunda
provérbio com frase célebre que, um dia, alguém pronunciou e que, tendo passado
para algum compêndio de frases de famosos, se comece a pensar em termos de provérbio,
que não é. Recordo «Penso, logo existo!», de Descartes. Tem esse carácter
lapidar, mas não pode arvorar-se à categoria de provérbio. Como «lembrar-se de
Santa Bárbara quando troveja» é frase comum, mas que não detém essa característica
de norma que no provérbio é quase essencial: «Devagar se vai ao longe!», «De
pequenino se torce o pepino».
E se, na verdade, a rima se
revela, amiúde, como forma popular de ser usada, mesmo em termos de provérbios,
o certo é que a sedutora magia dos provérbios não deixa ninguém indiferente.
Fez-se, por exemplo, a 28 de
Agosto de 2017, no Centro de Interpretação Pedra do Sal, em S. Pedro do Estoril,
a apresentação do livro, de Irene Prata, Provérbios
para sorrir ou… reflectir, uma edição do NASPE – Núcleo de Amigos de S.
Pedro do Estoril. Cada provérbio, uma quadra. Veja-se este: Às vezes muito ameaça quem de
medroso não passa. E a quadra
Ameaça é coisa
fácil
É prática de muita gente
É apenas o disfarce
Do medo que o próprio sente.
Já vi na Internet que há
provérbios feitos com emojis.
Peter Koj, alemão que foi docente
na Escola Alemã, de Lisboa, grande difusor da língua portuguesa na sua terra
natal, Hamburgo, consignou provérbios portugueses num dos seus livros,
traduzindo-os para a língua alemã. Passatempo Proverbial (Schmetterling
Verlag GmbH, Estugarda, 2016) constitui, de facto, mui jocoso passeio pelos
provérbios portugueses, ilustrados alguns deles pelos bem oportunos desenhos de
Marlies Schaper. Vejam-se as ilustrações de «Quem vai ao mar perde o lugar» e
«Nem tudo o que vem à rede é peixe».
Provérbios errados
Recebi, em tempos, uma série de
correcções a provérbios que vogam por i numa versão errada. Para isso serve a
Paremiologia, a ciência dos provérbios.
Portugal detém nesse âmbito o
palmarés, sendo Tavira a «capital dos provérbios», pois que nela está sediada a Associação Internacional de Paremiologia / International Association of Paremiology
(AIP-IAP), «a única no seu género a nível mundial», e que
se «ocupa do estudo científico dos provérbios em todo o mundo»; tem página na
Internet – http://www.aip-iap.org – e «organiza várias
actividades ao longo do ano: exposições,
palestras, concertos, tertúlias, idas a bibliotecas, escolas, fundações e
instituições de solidariedade social para dinamizar e divulgar a tradição oral através das ideias transmitidas pelos
provérbios»… Aí se realizou no passado mês de
Novembro o 16º Colóquio Interdisciplinar sobre
Provérbios, com mui larga participação.
Vamos lá então aos provérbios
errados.
Por exemplo, a versão original
não é «quem tem boca vai a Roma!», mas sim «quem tem boca vaia Roma!», ou seja,
amaldiçoa-a, do verbo «vaiar», atitude tão assumida nos estádios de futebol…
Também o correcto não será «quem
não tem cão, caça com gato», mas sim «como o gato», ou seja… sozinho!
«Hoje é domingo pé de cachimbo», o correcto é: «Hoje é domingo pede cachimbo» – o relaxar tranquilo, saboreando aroma bom…
«Batatinha, quando nasce, esparrama pelo chão». De facto, era difícil esparramar-se e o que deve dizer-se é… «espalha a rama pelo chão»!
Rica, sem
dúvida, muito rica mesmo é a língua portuguesa. E nunca nos cansamos de
aprender, mesmo que por vezes se diga «Burro velho não aprende línguas!».
Preguiça é o que é!
José
d’Encarnação
Publicado em Duas Linhas, 09-08-2022: https://duaslinhas.pt/2022/08/a-magia-dos-proverbios/
O que eu aprendo com os textos deste blog!
ResponderEliminarNão sabia que Tavira era sede da AIP-Associação Internacional de Paremiologia, única no mundo e activa. Levar a sabedoria da tradição oral por aí, pegando nas ideias encerradas nos provérbios, não é pouca coisa em termos culturais!
De facto o provérbio tem de conter um conhecimento empírico confirmado por gerações que por ele não foram defraudadas.
Se as condições climatéricas ameaçam a veracidade de alguns, não é caso para não se respeitarem.
Afinal vaiar é um direito!..Aqui está um provérbio que, sendo mal interpretado e reproduzido, altera logo a significação. Eu errei muitas vezes, mas a partir de agora, jamais...
Agradeço muito, e de novo, estes textos que adoro ler.