quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Era uma vez...

            E desde pequenino que se apercebera que a tábua só ficaria bem se todos os pregos fossem martelados a preceito e actuassem em conjunto, consoante a sua função.
 E, no lago vizinho, rico de pescarias, via os homens, rostos curtidos pelo Sol e pelas aragens. Obedeciam, a remar, a uma voz de comando. Lançavam à uma as redes e, de gestos concertados, horas depois as puxavam para bordo.
Passava minutos longos a observar os carreiros das formigas. Uma admiração como podiam carregar tanto, como se cumprimentavam. Sentia-as elos de uma comunidade imensa, misteriosa, organizada…
E as abelhas…
Durante quarenta dias, anos mais tarde, ficou sozinho, a pensar.
E decidiu, túnica ao vento, ir por aí – nas margens do lago, nos caminhos íngremes, nas aldeias pobres, nas casas dos ricos, nos templos antigos…
A proclamar.
Tive fome e destes-me de comer – abençoados sois!
Gostava tanto que me ouvissem – e tu paraste à minha beira, sem olhar para sóis nem para luas, a beber as minhas palavras, a acalentar meus sonhos.
Ajudaste-me a pôr bem no alto a candeia – para que a todos alumiasse, que a candeia não se quer escondida.
Havia, naquela corrente, um elo que estava fraco – e tu retemperaste-o num fogo!
Eram farrapos que a pele a custo escondiam – e tu cortaste o manto e com ele me abriguei…
Ensinaste-me a perceber que as mil orquídeas silvestres sobrevivem se, em conjunto, toda uma cadeia lhes proporcionar húmus saudável.
Era uma vez…
            O Profeta está no topo da colina. Voz a encorajar muitas mãos, a cimentar muitas vontades. A Comunidade desabrocha! Assim como os lírios do campo…

                                                                                   José d’Encarnação

    
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 827, 01-08-2022, p. 12.

 

 

6 comentários:

  1. Que lindo texto! Tanto de místico, como de poético! Simples, profundo e belo!

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  2. Bonita meditação!... A. Correia

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    1. Maravilhoso. Grata pela partilha
      Fátima Camilo

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  3. Excelente texto, obrigada pela partilha!
    Um abraço!

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  4. Não sei o que hei-de escrever... O texto é belo, um poema "escondido" nas vestes da prosa, ou uma prosa poética como tanto se diz, ou até aquela "escrita criativa" que pretendem ensinar por aí, mas que (salvo melhor opinião) não se ensina. É dom natural depurado pelos anos a lidar com as palavras. Agora...penso que por detrás desta narrativa bíblica, o autor pretende apelar à simplicidade de vida, ao desprendimento, à partilha e à força construtiva da união...será?

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  5. Muito bonito! Texto poético, exalando sensibilidade e espiritualidade!
    Gostei muito!

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