Ouvi com
toda a atenção o discurso do político recém-chegado. Tudo iria ser feito,
salvar do marasmo de décadas toda uma população que, até ele vir, votara
errado, noutras formações partidárias.
Uma lástima, um zero. Do princípio se iria agora começar.
Por sinal, eu
recebera dias antes um vídeo em que se dava conta do que um ancião aprendera,
das mudanças que em si, agora, já septuagenário, sentia:
«Aprendi a não corrigir as
pessoas, mesmo quando sei que estão erradas. A responsabilidade de tornar todos
perfeitos não é minha» – era uma das conclusões a que chegara.
Abençoado!
Resisto, pois, tranquilo, à reacção – outrora impetuosa – de corrigir o
recém-chegado. Que é bem verdade, amigo ancião, também isso não é da nossa
responsabilidade.
E não é que,
de supetão, me vieram à mente experiências e normas e ditos e cenas?
A primeira,
a da guerra actual, a das balas, dos mísseis e dos drones e, sobretudo, a da
desinformação. Sei bem o que isso vale; na tropa, quando fiz a especialidade,
tive a disciplina de «Acção Psicológica»…
A segunda,
a da exímia interpretação do actor João Vasco em «La Nonna»: a idosa,
sorrateira, ia à cozinha quando todos dormiam e banqueteava-se com tudo o
encontrava, porque, de dia, a obrigavam a mui rigorosa dieta.
A terceira
(associada à ideia de noite), a do senhor que, tendo-se levantado para ir à casa-de-banho,
explica à mulher: «Ouvi um barulho, a televisão estava acesa…».
A quarta, o
livro de Gustave Le Bon, Psicologia das Multidões (de 1895!), que não me
canso de citar, nomeadamente naquela parte em que diz que o candidato pode
«prometer sem receio as mais amplas reformas», porque a promessa produz efeito
e não compromete o futuro, o eleitor depressa se esquece disso. Aliás, «o candidato
que consegue descobrir uma fórmula nova, bastante destituída de significado
preciso e, por consequência, adaptável às mais diversas aspirações, obtém um
sucesso infalível». E cita o caso do slogan «Salud y republica federal» que
norteou a revolução espanhola de 1873 e cuja interpretação foi a mais variada e…
serviu para tudo e todos!
Isso mesmo!
Nada de imposições. A não ser uma, no caso dos anciãos e na sequência da
sabedoria daquele que falava no vídeo: importa é envelheser!
Exacto, com s, como se lembraram escrever, a dado passo, os técnicos da Misericórdia
de Cascais: envelhecer + ser! Ser é o mais importante!
E olhar com
um sorriso para quem se desfaz em promessas; para quem garante que se levantou
porque ouviu barulho; ou para com a avozinha que garante: «Eu? Não comi nada,
não! Juro! Dormi a noite tida!».
José d’Encarnação
Publicado em Duas Linhas, 14-08-2022: https://duaslinhas.pt/2022/08/publicidade-propaganda-mentiras/
Já comentei este oportuno texto no Duas Linhas, a 14 deste mês.
ResponderEliminarEstamos no terreno minado da subversão de valores. Os políticos que dizem, desdizem e asseguram que não disseram, parecem merecer mais alta classificação do que a pessoa de palavra.
E há um perigo maior: servem-se de manobras muito graves que só persistem, porque grassa a impunidade total:
os registos audiovisuais e impressos abundantes sobre as promessas iniciais, vão sendo eliminados até não restarem vestígios.
A capacidade de persuasão de um candidato, que promete o que sabe que não vai cumprir, conta com o desgaste do público -alvo contagiado pela "informação" contraditória.
Resta ouvir como se não se ouvisse, envelheSer devagar para fazer render a minguança dos anos. E valorizar o estatuto da juventude mais adiantada..