sábado, 20 de agosto de 2022

Até que enfim!

             Vêem-se, de coração bem apertadinho, as imagens de habitações completamente destruídas, vítimas dessa loucura da guerra ou dessoutra loucura, a da voracidade das chamas, que o aquecimento global e os homens não se cansam de provocar.
            Deplora-se. Há teimoso nó na garganta. Batemos no peito, «eu, pecador, me confesso». As loucuras, porém, continuam. Confrange-nos ver reduzido a cinzas, num ápice, todo o longo anseio de uma vida. Confrange-nos e, por oposição, lembramos nomes de vivendas, mormente nos subúrbios das cidades: «Até que enfim!», «O Nosso Lar», «O Nosso Sonho»… – frases que consubstanciam e proclamam o anseio ali concretizado.
          Esse hábito não se tornou ainda generalizado na nossa S. Brás e, nos ‘montes’ que paulatinamente vão passando das mãos antigas para os dos estrangeiros recém-chegados, é provável que venham a ser palavras inglesas as preferidas. 
          Tem, no entanto, a nossa terra um outro património a preservar: o das datas que, nomeadamente nos finais do século XIX e primórdios do XX, foram gravadas nas chaminés, nos lintéis das portas, amiúde acompanhadas das siglas do nome do primeiro proprietário. É provável que o levantamento de todas essas informações já tenha sido feito, inclusive de forma sistemática. Se sim, congratulo-me e faço votos de que se publique, com breve explicação contextual. Uma documentação deveras preciosa.
 Se não, permita-se-me que apele à urgência da sua concretização. Poderá ser mesmo uma tarefa a concitar a colaboração multidisciplinar de docentes e alunos das nossas escolas.
Muita surpresa se terá: datas significativas, nomes de canteiros e de gente laboriosa, que, na ânsia de inovar que tão facilmente nos arrebata, acabariam por irremediavelmente se perder. E nós não queremos! São, afinal, memórias nossas!

                                                           José d’Encarnação

            Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 309, 20-08-2022, p. 13.

 

3 comentários:

  1. Muito estimulante, como sempre. Parabéns!

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  2. Este é o seu mundo Professor 😄

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  3. Um texto muito oportuno. Como dizia no meu comentário aode 27 de Agosto, infelizmente a tendência é para apagar a memória. E aqueles que labutaram para construir a própria casa (cá) e deixaram as suas "assinaturas" nas particularidades dos lintéis, platibandas, chaminés, morreram sem deixar senão a impressão no afecto que semearam. Lá fora a dor é maior. É o apagar, em minutos, da casa de cada um e colocar em perigo iminente a todos nós.

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