terça-feira, 20 de setembro de 2022

Acarear água...

             Afligem-nos as imagens dos campos gretados à míngua de água. Todos sabemos quanto a energia que produzimos contribui para a actual seca desoladora. E é natural voltarmos atrás, aos nossos tempos de meninos, mormente os que vivemos em áreas rurais, quer no Algarve quer também em Cascais. Na década de 40, ainda não tínhamos água canalizada. A inauguração de um chafariz era uma festa no lugar, com direito, por vezes, a governador civil. Chafariz que tinha torneira para encher as bilhas; mas daí a água escorria para o bebedouro dos animais do lado da frente e, daí, ia para o tanque de passar e, deste, para o de lavar. Poupar água era palavra de ordem, que assim bem se cumpria.
            Ao chafariz – ou, pelo Inverno, à nascente que brotava límpida do chão a uns 200 metros de casa – lá ia eu, de improvisado chinguiço ao ombro, e um balde de cada lado.
            Lavava-se a cara e o pescoço e as orelhas numa bacia de esmalte; mas a água não se deitava logo fora, que servia para nela se irem passando as mãos ao longo do dia…
            Das férias de Verão no Corotelo me lembro – e já o contei outras vezes – de ir de madrugada, com minha tia, ao poço («o poço do Corotelo», assim se chamava), para conseguir melhor apanhar com o balde a água que a nascente acareara durante a noite. Por isso, ter uma cisterna foi, durante largos anos, o sonho de meus parentes.
            Alegrei-me, pois, ao ler, na edição de Abril passado do Notícias de S. Brás (p. 11), que a Junta de Freguesia continuava a desenvolver o plano de recuperação e manutenção das fontes, poços e lavadouros. Nesse caso, mostrava imagem do Poço do Vale Carvalho, todo caiadinho e degraus a condizer. Parabéns!
              Acrescentava-se que essa preservação tinha que ver com a história dos sítios.
               Sempre os poços e as fontes constituíram ponto de encontro das comunidades.
               «Tantas vezes vai o cântaro à fonte que, qualquer dia, lá deixa a asa».
                O cântaro ou a sua portadora!...
                ¿Não foi junto à fonte que a Samaritana encontrou Jesus?
               ¿Não cantou Camões a Lianor que
                            «descalça vai para a fonte […] 
                            Vai fermosa, e não segura 
                            Leva na cabeça o pote,
                            O testo nas mãos de prata…»?

            Vivem as fontes, sabe-se bem, do lençol freático. A impermeabilização do solo por via de exagerada urbanização e a contaminação do lençol por desapropriados despejos são urgentes acções a evitar!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 310, 20-09-2022, p. 13.

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