(A propósito de um livro de Eugenia Serafini)
E essa 3ª dimensão, a do sonho, assume importância vital. Somos corpo – e há que alimentá-lo; somos espírito – e há que perenemente o envolver num manto de pensamentos positivos; somos sonho – e há que jamais perder essa capacidade de sonhar.
Porventura, não
consciencializamos bem as frases dos poetas: «Deus quer, o homem sonha, a obra
nasce», sentenciou Camões; «Eles não sabem nem sonham que o sonho, o sonho
comanda a vida», proclama António Gedeão na sua imorredoira ‘Pedra Filosofal’,
imortalizada por Manuel Freire.
¿Não é um
sonho também O Principezinho, de Saint-Exupéry – como o foi, entre
tantos outros, O Feiticeiro de Oz, com a inesquecível Judy Garland?!...
Escreveu a
pintora e professora Eugenia Serafini um livro de estranho título: Il
Preside che camminava sui rami di pino e i Racconti della Luna (Edições
Artecom-onlus, Roma, 2019). «O Presidente que caminhava pelas ramagens de um
pinheiro» e que, já no gabinete, querendo negar, com algum nervosismo, que não,
não andara pelo bosque, passou as mãos pelo cabelo e deixou cair no chão uma
agulha de pinheiro!...
Com prefácio
de Marcello Carlino e posfácio de Nicolò Giuseppe Brancato, o livro, profusamente
ilustrado (tenho, aqui para nós, o privilégio de possuir um exemplar pintado à
mão pela autora com pastel giotto natural!...), contém 14 contos nas suas 112
páginas: «Os anjos», «Anita e o cocheiro», «O sonho do almirante», «Aquela que contempla
a Lua»….
Contos breves,
onde, do ponto de vista gráfico, a autora deu largas à sua criatividade: os
negros e os itálicos surgem inopinadamente; as maiúsculas podem aparecer no
meio da palavra; a paginação obedece, aqui, a um eixo de simetria e está
alinhada apenas à esquerda, mais adiante, inclusive na mesma pagina. Dir-se-ia que
a intenção é chocar, despertar a atenção… sonhar!
Prendeu-me,
de modo especial, a atenção, um dos contos maiores (p. 79-105), «História para
um coração de criança», que a Autora quis fazer preceder de uma epígrafe: «Perdoai-me,
amigos meus, se não confiei no vosso ser adultos e escrevi e sonhei com o nosso
coração criança».
Começa
assim:
«Encontrara-a
na areia da praia, qual pétala murcha: tomou-a nos braços, temendo que estivesse
morta, quão pálida estava e fria; mas não: respirava ainda! Ainda que estivéssemos
no solstício de Verão, chovera muito e ainda estava frio, como em Março: o
velho Renato descera para ver o mar cinzento, sob o cinzento do céu, quase empurrado
por um pressentimento, e dera com ela, por acaso, estendida entre areia e mar».
Levou-a
para casa e, tendo-a aconchegado nos cobertores, viu que recuperara a cor: «Era uma menina loira e frágil, muito bonita».
Giuggiola de seu nome, soube-o depois.
Daí
por diante, sucederam-se os encontros, envoltos sempre numa aura de poesia, em
diálogos límpidos e profundos, a lembrar os do Principezinho de
Saint-Exupéry.
«O velho
ocupava-se nas lides habituais: as tarefas domésticas, a limpeza, os trabalhos
na horta e no jardim; podava as rosas, cortava agora um lírio para pôr na
jarra; mas bastava-lhe pensar na menina e logo ela lhe aparecia pela frente,
como que por encanto».
Giuggiola
era amiga doutro menino, o Lino; brincava com ele, sonhava os mesmos sonhos que
ele; só que, um dia, entrou num sonho que não lhe agradou e, ao fugir, caiu – e
foi assim que Renato a encontrou. E Lino nunca mais apareceu.
Passaram
os dias neste enleio. «E o velho via Giuggiola sentada, muitas vezes, na orla
do tempo, a esperar o sol-pôr: com a cabecinha entre as mãos, esperava que o
seu sonho aparecesse».
Esta, pois, a atmosfera,
sedutora para crianças e para os adultos também, estou certo, porque entre
linhas há frases que nos obrigam a parar.
Está prestes a
vir, agora, neste tempo em que escrevo, o equinócio do Outono, a deixar para
trás praias, sol, divagações… Espera-nos tenebrosa engrenagem a correr de manhã
à noite e, amiúde, noite adentro. Precisamos de a suster; precisamos de, sentados
na orla do tempo, abrir os nossos braços ao Sonho! Como Giuggiola.
José d’Encarnação
Publicado em Duas Linhas, 30-08-2022:
https://duaslinhas.pt/2022/08/o-sonho-comanda-a-vida/
«Nuvola», uma instalação de Eugenia Serafini
Talvez por ter deixado umas palavras sobre este texto no Duas Linhas, não tenha fixado aqui o comentário. E gostei tanto de o ler, ou da forma como o autor lembra que Eugenia Serafini apela à criança que fica em cada adulto, para que possamos rejuvenescer ante a capacidade de sonhar. Se assim não fosse, a engrenagem da mudança havia de emperrar e lá se ia a esperança de encontrar caminho livre pata novas gerações.
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