Confesso que me passara por completo despercebido o artigo de Jacinta Bugalhão publicado na revista Al-madan, do Centro de Arqueologia de Almada (nº 14, Dezembro de 2006, p. 157-159), sobre o sítio romano de Vale do Mouro (Gravato, Meda).
Aí se dá conta de um sítio – mui
possivelmente uma villa romana – que, identificado em 2001, foi alvo de
diversas campanhas de escavação nos anos subsequentes, destinadas a dar a
conhecer melhor o que ali estava enterrado.
Logo nos textos chamados a
subtítulo se escreve o seguinte:
«A descoberta recente de um magnífico
pavimento em mosaico policromo (…) obriga a reequacionar o conhecimento da
ocupação romana desta região interior, bem como as suas relações com outros
territórios romanizados no litoral e Sul da Península Ibérica».
Acrescenta-se:
«Atesta também uma grande pujança
económica e a integração nos modelos de gosto e consumo latinos e nos circuitos
económicos, sociais e culturais de grande escala».
O que particularmente me chamou a
atenção foi a reprodução de parte desse mosaico em que se mostra (cito) Baco a
usar uma coroa de folhas de hera e de cachos de uva e a segurar, numa mão, um
tirso (que é a sua insígnia) e, na outra, um cântaro, com que derrama o vinho,
que simboliza a dispersão da fertilidade pela terra. Foi Virgílio Hipólito Correia
quem identificou a representação como sendo «parte do cortejo do deus Baco à
volta do mundo, ladeado, de um lado, por uma pantera e, do outro, por uma
bacante (sacerdotisa de Baco), que segura uma tocha».
Assinala-se, a concluir, que este
achado detém «relevância europeia» – e não é difícil estarmos inteiramente de
acordo.
Encantados, amiúde, com mosaicos romanos
do Sul do território português, olvidamos encantos que também este Nordeste
beirão pode mostrar-nos. Verificar que um tema mitológico incomum pode ornar
assim a casa de um senhor romano nos séculos III ou IV da nossa era constitui,
na verdade, prova cabal de que a cultura, nessa época, não conheceu limites territoriais.
A mostrar-nos que também agora,
neste (ainda) limiar do século XXI, não os deve conhecer.
Jose d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 829, 15-09-2022, p. 12.
Quando, certa vez, escutávamo a área de uma flauta no recinto pequeno que servia de palco, em Epidauro, e estrategicamente colocados nos mais diversos lugares do anfiteatro de pedra, ouvíamos na perfeição, alguém exclamava: " Já tudo foi descoberto desde essa época e muito antes".Falávamos do traçado geométrico desses espaços, das noções aperfeiçoadas de acústica, do santuário medicinal de Esculápio onde se faziam curas pela interpretação dos sonhos, e mais...De repente lembrei-me disso ao ler, neste texto, a aceitação de que a Cultura era um tema universal, sem fronteiras artificiais...Também essa abertura já era uma realidade que sofreria retrocessos com o avanço dos tempos.Belo texto.
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