O
título pode prestar-se a duas interpretações: este musical retrata a minha
vida; ou: este musical é o que mais me enche as medidas. Não há dúvida que
ambas as acepções se completam, embora acredite que não terá sido este o musical
que lhe encheu as medidas, dado o seu reconhecido pendor para o perfeccionismo.
É mais uma autobiografia assumida, pretexto para apontamentos musicais, a
sublinhar as fases por que passou a sua existência, desde a infância em Vila
Nova de S. Bento, aldeia do concelho de Serpa.
Lisboa e o resto
São,
pois, daí, desse Alentejo profundo as primeiras imagens evocativas e que me
seja permitida, desde já, uma reflexão.
Pensa-se,
amiúde, que a vida cultural portuguesa está na capital e dela sempre brotou.
Quiçá importe consciencializar mais uma vez que, na verdade, muitos dos seus
chamados ‘agentes culturais’ têm raízes na província e foi nela que hauriram
boa parte das ideias que depois em Lisboa vieram pôr em prática. E não será,
pois, despropositada a tendência generalizada que ora se faz sentir no interior
do País de ‘reclamar’ a memória ou recordar a actividade dos que foram (ou são)
seus filhos. Viu-se, por exemplo, como Borba acarinhou Nicolau Breyner e talvez
isso tenha acusado admiração a muita
gente, habituada a considerá-lo alfacinha de gema.
Filipe
La Féria não desdenhou, por conseguinte, começar por aí, por mostrar as
paisagens e as gentes da sua terra natal, Vila Nova de S. Bento do Mato. E fez
bem.
As línguas
E
apraz-me também referir que – como é hábito nos musicais de La Féria – há
legendas luminosas ao alto a explicitar as diferentes partes da acção .
Desta
feita, o autor optou por as apresentar em castelhano e em inglês, certamente
para titilar o coração dos futuros
espectadores, vindos do país vizinho ou, se doutras zonas do mundo, que terão o
inglês como sua língua de entendimento.
Não
o critico por ter omitido o português, até porque tal opção
pode entender-se também no sentido de que é mais uma prova do que é o público
português agora: ele compreende bem o castelhano e adoptou o inglês, por necessidade,
como sua segunda língua. Estamos conversados.
Uma autobiografia
Conta
o musical a história pessoal de La Féria, os seus estudos, a sua ida para
Londres, as influências que foi tendo – através da rádio, dos filmes, da
Broadway, dos Beatles, do Charlot, do prestígio da Callas, do Flower Power, do Elvis,
a Revolução de Abril… Pretextos,
pois, para apresentação de quadros
simbólicos: o flamenco, as «Feras Amansadas», o twist, o tango, o fado (na saudade de Paris…)…
Poder-se-ia
pensar que o autor iria aproveitar excertos de trabalhos seus ou evocar
artistas geniais que se notabilizaram ao longo das sete décadas da sua vida.
Preferiu, ao invés, textos originais, servidos por coreografias próprias e
pelas vozes do seu elenco, elas próprias, potentes, sem imitação de alheias.
O coreógrafo, Marco Mercier |
No
final, mas ainda integrada no espectáculo, a mensagem: segue o teu caminho, vai
sem medo, não estás sozinho, continua sempre a sonhar, tens de acreditar na
vida!
E,
naturalmente, Filipe La Féria veio ao palco: fazer pormenorizados
agradecimentos; manifestar apoio aos seus colaboradores, que aplaudiu; tecer considerações
sobre a cultura que se faz – ou não se faz – em Portugal, sobre a ausência de
incentivos aos espectáculos, incitando todos a não deixarem morrer o teatro, dado
o seu imprescindível papel na vida de todos nós e da sociedade.
O talentoso figurinista Mestre José Costa Reis |
Está,
pois, de parabéns, toda a vasta equipa que soube erguer «O Musical da Minha
Vida» e assim nos ajudou a sonhar!
José d’Encarnação
Publicado em Cyberjornal ,
edição de 18-04-2016:
Sem comentários:
Enviar um comentário