terça-feira, 19 de abril de 2016

Sobre o novo musical de Filipe La Féria no Casino Estoril

             Para convidados, que por completo encheram o Salão Preto e Prata do Casino Estoril, estreou no sábado, 16, a partir das 22 h., «O Musical da Minha Vida», de Filipe La Féria.
            O título pode prestar-se a duas interpretações: este musical retrata a minha vida; ou: este musical é o que mais me enche as medidas. Não há dúvida que ambas as acepções se completam, embora acredite que não terá sido este o musical que lhe encheu as medidas, dado o seu reconhecido pendor para o perfeccionismo. É mais uma autobiografia assumida, pretexto para apontamentos musicais, a sublinhar as fases por que passou a sua existência, desde a infância em Vila Nova de S. Bento, aldeia do concelho de Serpa.

Lisboa e o resto
            São, pois, daí, desse Alentejo profundo as primeiras imagens evocativas e que me seja permitida, desde já, uma reflexão.
            Pensa-se, amiúde, que a vida cultural portuguesa está na capital e dela sempre brotou. Quiçá importe consciencializar mais uma vez que, na verdade, muitos dos seus chamados ‘agentes culturais’ têm raízes na província e foi nela que hauriram boa parte das ideias que depois em Lisboa vieram pôr em prática. E não será, pois, despropositada a tendência generalizada que ora se faz sentir no interior do País de ‘reclamar’ a memória ou recordar a actividade dos que foram (ou são) seus filhos. Viu-se, por exemplo, como Borba acarinhou Nicolau Breyner e talvez isso tenha acusado admiração a muita gente, habituada a considerá-lo alfacinha de gema.
            Filipe La Féria não desdenhou, por conseguinte, começar por aí, por mostrar as paisagens e as gentes da sua terra natal, Vila Nova de S. Bento do Mato. E fez bem.

As línguas
            E apraz-me também referir que – como é hábito nos musicais de La Féria – há legendas luminosas ao alto a explicitar as diferentes partes da acção.
            Desta feita, o autor optou por as apresentar em castelhano e em inglês, certamente para titilar o coração dos futuros espectadores, vindos do país vizinho ou, se doutras zonas do mundo, que terão o inglês como sua língua de entendimento.
            Não o critico por ter omitido o português, até porque tal opção pode entender-se também no sentido de que é mais uma prova do que é o público português agora: ele compreende bem o castelhano e adoptou o inglês, por necessidade, como sua segunda língua. Estamos conversados.

Uma autobiografia
            Conta o musical a história pessoal de La Féria, os seus estudos, a sua ida para Londres, as influências que foi tendo – através da rádio, dos filmes, da Broadway, dos Beatles, do Charlot, do prestígio da Callas, do Flower Power, do Elvis, a Revolução de Abril… Pretextos, pois, para apresentação de quadros simbólicos: o flamenco, as «Feras Amansadas», o twist, o tango, o fado (na saudade de Paris…)…
            Poder-se-ia pensar que o autor iria aproveitar excertos de trabalhos seus ou evocar artistas geniais que se notabilizaram ao longo das sete décadas da sua vida. Preferiu, ao invés, textos originais, servidos por coreografias próprias e pelas vozes do seu elenco, elas próprias, potentes, sem imitação de alheias.
O coreógrafo, Marco Mercier
            No final, mas ainda integrada no espectáculo, a mensagem: segue o teu caminho, vai sem medo, não estás sozinho, continua sempre a sonhar, tens de acreditar na vida!
            E, naturalmente, Filipe La Féria veio ao palco: fazer pormenorizados agradecimentos; manifestar apoio aos seus colaboradores, que aplaudiu; tecer considerações sobre a cultura que se faz – ou não se faz – em Portugal, sobre a ausência de incentivos aos espectáculos, incitando todos a não deixarem morrer o teatro, dado o seu imprescindível papel na vida de todos nós e da sociedade.
O talentoso figurinista Mestre José Costa Reis
            Terá funcionado também a estreia como ensaio geral, na medida em que a extraordinária versatilidade de movimentos e de opções cenográficas que o palco do Salão Preto e Prata oferece (havia, de quando em vez, acrobatas a exibirem-se sobre a plateia…), também em termos de som e projecção de imagens e de fantasmagóricos efeitos de luz, permite imaginar em ainda novas surpresas em cada sessão.
            Está, pois, de parabéns, toda a vasta equipa que soube erguer «O Musical da Minha Vida» e assim nos ajudou a sonhar!
                                                           José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, edição de 18-04-2016:

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