quarta-feira, 4 de abril de 2018

O catedrático regressou às origens

             Não, não vou escrever sobre esse, que é equiparado; escrevo sobre um verdadeiro, que o é desde 05-06-1991 e que, tendo-se aposentado, largou a Lusa Atenas e demandou o lugar de Calvos, na freguesia de Sarzedas (Castelo Branco), onde nasceu a 19 de Outubro de 1945. Exacto: João Lourenço Roque, que foi docente de História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Em sítios assim, corriam
as palavras e os sonhos
que eram só nossos...
            Uma vida, agora, de agricultor e de aldeão empenhado, que mensalmente vai retratando nas crónicas que envia para o Reconquista, de Castelo Branco. Retratos d’alma, retratos das gentes, apontamentos das vidas, reflexões que o dia-a-dia lhe proporciona… Pelos seus escritos perpassam os nomes de vizinhos e de familiares, conta-se dos muitos que vão fenecendo numa região privada de juventude… Os nomes: a prima Alice, o Ti Luís, a prima Maria Rosa... Não há já quem queira, na maior parte dos jornais locais, ter a secção de necrologia, seguramente a mais lida de todas; e João Lourenço Roque não hesita, também por isso, consciente ou inconscientemente, em dizer o nome de quem saudosamente partiu.
            O ciclo da aldeia. O varejo da azeitona, a apanha dos tortulhos, o voo da cotovia, o primeiro sinal do cantar do cuco (ai, os tortulhos «cuquedos» que já não prestam!…)… O desejo de um melhor viver para anciãos e não só. Os poços que são ratoeira e que importava sinalizá-los ou vedá-los. As noites de lobisomens, as bruxarias. O ronronar das gatinhas meigas, uma companhia quando outras já vão faltando. A importância enorme dos animais domésticos. As moças bonitas da cidade («Teus olhos é que me matam!»). As festividades tradicionais.
            O mundo está, todavia, ali. Não apenas os versos de António Salvado ou as letras dos fados de Ana Moura, mas a tragédia do Chapecoense, o horror da estrada de Pedrógão Grande, a busca dos pokemons, o Marcelo que aparece agora todos os dias…
            Se, ao longo das páginas destas «Digressões Interiores 2» (edição de Palimage, 2017), com 59 crónicas, de 2011 a Julho de 2017, João Roque não hesita em empregar a típica terminologia aldeã – atitude de muito aplaudir! – o certo é que não resistiu a, na crónica 52 (p. 219-222), esboçar eloquente glossário de termos próprios dali. «Chicolate», «braboleta», «linterna» serão, por exemplo, formas que noutras regiões se encontrarão, como deformação oral, mas quem há aí que saiba que escamunguer é estragar ou que infoucedo é… um fraco? O que o Povo sabe!...

                                                                                José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 728, 01-04-2018, p. 11.

 

1 comentário:

  1. Um texto português, para que os Portugueses reflictam sobre o que fomos, somos e desejariamos ser, à margem de "Acordos" e desacordos...

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