quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Os outros lados da vida

             Fui, no sábado, levado por uma amiga que lá ia fazer uma palestra, à Feira Alternativa 2018, realizada, nesse fim-de-semana, em Lisboa, no espaço do Parque de Jogos 1º de Maio.

            Apresentando-se como «o 1º e o maior evento de bem-estar, desenvolvimento pessoal e espiritualidade», a iniciativa transporta-nos, assim que entramos no recinto, para – ouso dizê-lo – os outros lados da vida.
            Fica para trás o movimento das ruas, o andar apressado para o emprego, a preocupação em chegar a tempo de apanhar o barco ou o comboio… Fica para trás tudo isso porque, em cada um das dezenas de stands, se te oferece, pelos mais variados caminhos, «tudo o que precisas para uma vida mais saudável, em que o equilíbrio é a palavra-chave», a «oportunidade única de aprender a viver o presente e de fazer uma pausa». Há quem convide para uma corrida à beira-Tejo, para «desfrutar da incrível envolvente ribeirinha». Há quem te proponha uma hipnose clínica, um chá quase milagroso, olorosas essências que te ajudam a respirar suavemente… E quem nos diga que temos uma «criança interior» e se disponha a colaborar connosco numa «regressão a vidas passadas, para libertar bloqueios».
            Ali, ao fundo, estendidas no pavimento de um campo desportivo, envolvidas por uma voz bem pausada e quente (teria, decerto, sons repousantes por fundo), umas cinco dezenas de pessoas se alheiam, por largos minutos, do movimento que as rodeia e, seguramente, do mundo em que, até àquele momento, estavam embrenhadas. Ao levantarem-se, sentir-se-ão ‘outras’, extirpadas de muitos dos conflitos interiores que carregavam.
            Aqui, a taróloga mediúnica propõe-te que poderá consultar para ti o «baralho cigano», o «oráculo dos anjos», e, entre outros, «o oráculo das vidas passadas»…
            São, de facto, os outros lados da nossa vida comum.
            E paramos, não sem algum pasmo, diante da tenda onde alguém (só vemos os pés…), sob um manto e numa maca, foi levado a abstrair-se de tudo e a navegar por outras galáxias.
            A baiana, vestida a rigor, no seu amplo vestido rodado, ouve com atenção quem a veio consultar. Deita os búzios e, pela posição em que ficam, desvenda a mensagem a transmitir.
            E vi quem nos fotografasse a aura. Se bem entendi, aquela zona que nos envolve a cabeça e cuja cor, na fotografia, contará muito de nós e nos ajudará a viver melhor. Estamos habituados a vê-la concretizada naquele ‘araminho’ circular ou na circunferência em volta das imagens dos santinhos. Pois ficamos a saber que cada uma de nós também a tem; e há que descobri-la!
            De tatuagens nem se fala! Um mundo! Já tivera oportunidade de ver, na praia, a infinidade de opções de assim se manifestarem crenças, emoções, ternuras, paixões ou, simplesmente, o gosto estético nem sempre avesso a alguma rebelde malícia ou acintosa ironia… Mensagens – a que, em corpo alheio, só alguns poderão ter acesso. E, na Feira Alternativa, senhores, tatuagens não faltavam! Quem as ostentava e quem se propunha fazê-las, inclusive como terapia.
            Contudo, perdoem-me, o que eu também apreciei deveras, confesso, foi a sugestão da recepcionista, quando me entregava o convite de imprensa: «Aproveite, que ele há aí bons restaurantes!...». Não sei se falava de comida espiritual ou da outra; creio bem que… era da outra! Malandra!...

                                                           José d’Encarnação


Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 249, 2018-09-12, p. 6.

4 comentários:

  1. Gratidão amigo José D'Encarnação por um texto tão lindo, enquanto o lia fiz uma viagem fantástica pela feira alternativa novamente ... Registado em palavras as diferentes viagens que podemos fazer em busca de autoconhecimento para aprendermos o lado feliz e simples da vida. Todo o desenvolvimento pessoal começa de dentro para fora...Beijos de Luz no coração e muitas Bênçãos em todas as areár da vida ��❤️

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    1. Fico grato por este eco tão auspicioso! Beijos retribuídos!

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    2. Estava eu a pensar ir dormir quando fui alertado para a leitura desta brilhante narrativa. Para mim nada surpreendente nao fosse o seu autor um brilhante ser iluminado (passe a redundancia) de uma luz radiante, fazendo inclusive corar o astro rei. É por estas e por outras que, cada vez que tenho oportunidade de ler algo escrito por ti ou conseguir uma amena cavaqueira contigo, sinto-me como se estivesse a alimentar-me do melhor repasto acompanhado do melhor vinho.
      Obrigado José por mais uma refeição literária, superiormente cozinhada por ti.
      Bem hajas.

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    3. Gostei da 'refeição literária', após se ter falado de refeições espirituais e doutras mais... quotidianas e tão obrigatórias como as demais para a nossa boa subsistência. Abraço, grato, meu caro Luís!

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