–
Assopra-lhe!
No
final do dia, o Joaquim, que viera
como os outros para a esgalha da cortiça, não quis continuar ali e mudou de
patrão.
A
cena repetiu-se: sopa quente, queixume; mas agora a resposta foi outra:
–
Põe-lhe água fria!
Não
lhe servia o patrão e o Joaquim
despediu-se.
Terceiro
patrão, terceira sopa quente, terceira queixa, terceira resposta:
–
Miga-lhe pão dentro!
E
o Joaquim ficou.
Contou-me
meu pai esta história, ele que também trabalhara no Alentejo, pelos anos 30. Uma
história que, na sua singeleza, mostra, por exemplo, a importância da sopa e do
pão no que hoje chamamos a ‘dieta mediterrânica’, que é, no fundo, o modo
tradicional de comer no Sul de Portugal; e também as dificuldades por que se
passava então.
Muito
se fala hoje dos comeres, porque a gastronomia se tornou património identitário
e a culinária ganhou requintados foros, com o aparecimento daquele jeito de
alindar o prato com duas ou três coisas, a que se dá o nome de gulodice (gourmet é o termo), porque se percebeu
que são os olhos que comem e o estômago que jejue, porque lhe faz é bem!
Era
assim. Nossos avós sabiam como se deviam amanhar em tempo de fartura, para, aquando de eventual penúria, terem com
que se aviar. Frigoríficos não os havia. Na arca antiga se guardava, em sal, a
carne do porco que se matara. Minha mãe, quando a bom preço se compravam dois
centos de sardinhas, arranjava-as a preceito e guardava-as em salmoura, para se
comerem mais tarde. E aqueles carapauzinhos alimados? E a petinga que se
escondia depois nas papas de milho?...
Sim,
como canta o Rodrigo, se, até há pouco, coentros e rabanetes não iam à mesa do
rei, agora vão os coentros, os orégãos, o alecrim, o poejo (ai, essa sopinha de
poejo e esse fresquinho licor do mesmo!...) e até se descobriu o significado
último da frase «quem tem fome cardos come», porque os tronquinhos carnudos
desses cardos que, na Primavera, se espalham pelo campo, ripados a primor, dão
uma sopa com feijanito encarnado de comer e chorar por mais!...
Feijanito?
O diminutivo bem português que, na comidinha, amiúde se usa para mostrar o que
é nosso até no modo de falar!... Amigo, vai um jantarinho de grão?
José d’Encarnação
Prato de carapaus alimados.
Fotografia retirada, com a devida vénia,
do blogue turismodoalgarve, onde ilustra a receita
de Margarida Tomás, a 14.3.2011
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Cláudia Guerreiro, 4 de Abril de 2019 10:14
ResponderEliminarOs manjares alentejanos como os designamos nos dias de hoje, surgiram em época de grande escassez alimentar, recordo-me da minha avó contar momentos de criatividade pura e o pão… o pão de qualidade continua a ser utilizado em muitos pratos tradicionais, nas migas, na açorda…
Vítor Barros,4 de Abril de 2019 10:17
ResponderEliminarLido com todo o interesse e atenção.
Muitos termos conviveram comigo vindos também da boca de pais e avós:
A salgadeira, a esteira e o capacho , bem como a memória do sabor das papas com sardinhas e das costeletas retiradas da banha. Delícias que o tempo nos vai comendo.
Ju, sexta-feira, 5 de Abril de 2019 20:43
ResponderEliminarOs manjares alentejanos, embora eu seja bem algarvia, também me são muito familiares e despertam sentidos e lembranças de outros tempos. Mas, ainda hoje, umas migas bem feitas, ou uma açorda com cheirinho a coentros, não é nada de desprezar.
Bom fim-de-semana, em boa companhia e, se possível, à volta de um belo manjar! Beijinho.
Este texto delicioso despertou-me o apetite...e lembrou-me um livro chamado Os Comeres dos Ganhões.
ResponderEliminarA terceira resposta é a de alguém mais inteligente. Moral da história: vale a pena os patrões tratarem os empregados com inteligência e humanidade.
Eles ficam sensibilizados e mais agarrados ao ganha-pão...
Um forte abraço
Martim