Aqui estou sentado
na pedra lavada
de ventos cortada
de águas batida.
Hesita,
sereno, o Sol no além…
Há melros, pardais,
pio solto lançado,
em adeus de «até breve!» –
que amanhã, bem no sabem,
outro dia virá!
Aqui estou sentado
na pedra lavada
por águas batida
por ventos cortada!
Não quero ver horas,
não quero ter pressas,
não quero aviões!...
Valados
de pedra solta,
abrunhos
roxos silvestres,
amoras
jovens lembranças,
lagartixas
d’olhos doces…
E
os bois lavravam a terra,
alvéloas
seguiam atrás,
olor
a ventre fecundo,
qual
deus de regaço em flor…
Visão encantada d’outrora,
na tarde que ora se esconde.
Este
condão guardam as terras de xisto,
saudosas,
hoje, de bois e de arvelas,
de relhas de arado e de grão a
acolher
no
quente aconchego dum seio maternal.
Mas…
há nó na garganta,
a voz já não sai
pra gritar esp’rança,
gritar comunhão…
E há que gritar!
Cascais,
12-02-2013
José d’Encarnação
Publicado em O Sol é Secreto [poetas
celebram Eugénio de Andrade]. Edição
da Câmara Municipal do Fundão e da Casa de Poesia Eugénio de Andrade. Fundão, 2019.
[ISBN: 978-072-8959-4-0]. p. 84-85.
Maria José Matos
ResponderEliminar30 de Abril de 2019 18:07
Gosto desta sensibilidade ligada à terra. No entanto, fiquei confusa por esta ligação tão profunda às terras de xisto, por parte de um algarvio!?
Respondi:
Arqueólogo é menino que percorre o País de lés a lés e procura, em cada zona, deixar-se envolver pelo seu génio. Se, algarvio confesso, me deixei inebriar assim pelas terras de xisto… será que estou no bom caminho?
ResponderEliminarEstás no bom caminho, o caminho das pedras, que é o de um arqueólogo.
E cada pedra é um novelo de palavras, que tão bem soubeste dispor numa cadência leve como a água a correr,
como as aves a cantarem, como o tempo a escoar-se preguiçoso pelas rendas do arvoredo.
Estás no bom caminho porque entraste na mansão da Poesia, que bem conheces dos teus pedaços de prosa.
Um abraço de parabéns, Amigo.
Alice Marques
ResponderEliminarquarta-feira, 1 de Maio de 2019 16:32
Que belíssimo texto!
Obrigada por esta prenda especial do 1 de maio.
Joaquim Almeida
ResponderEliminar15 de maio às 12:09
Tão tocante esta musa agreste! Parabéns. Obrigado!
Domingos Barradas
ResponderEliminarParabéns por este saboroso e belíssimo poema.
Maria Manuela Ribeiro
ResponderEliminar14 de Maio de 2019 12:31
[…] Como dizes no teu belíssimo poema: há que gritar!... Esperança, comunhão... Amizade!