quarta-feira, 1 de maio de 2019

Dois espectáculos

            No Salão Preto de Prata aconteceram, nestes dias, dois invulgares espectáculos, susceptíveis de deliciar quem pelas Artes acalente devoção. A 18 de Abril, o final da ‘tournée’ que Rui Massena fez pelo País; no domingo, 28, Dia Mundial da Dança, foi a vez de a Escola de Dança Ana Mangericão (EDAM), sediada, como se sabe, nos limites meridionais da freguesia de S. Domingos de Rana, apresentar «Celebrating Dance», com a participação especial de Jazz Dance Studio.

Rui Massena
            Que sensação fica depois de ouvirmos durante quase duas horas esta banda, dirigida, ao piano, por Rui Massena? Sim, bem no sabemos que os amantes da música clássica, erudita, poderão não gostar. Mas ousar-se-ia perguntar: que serventia tem a música? (Acho, aqui para nós, que alguns dos senhores ‘que mandam’ até são capazes de chorar as poucas verbas que, muito a custo, o Povo lhes consegue extorquir, embora com a consciência plena de que são verbas dele).
            E que sensação fica, então? Essa, a da serventia: a de nos ajudar a saborear os momentos que nos é dado viver.
            Um pintor naïf desdobra-se a pintar todos os pormenores, por vezes até os apresenta anormalmente grandes. Interessa-lhe o pormenor, não quer esquecer nenhum. Na senda de um pintor, assim se começa: as naturezas mortas, as paisagens… Depois, a visão depura-se e, na maturidade, há somente o traço sugestivo, a mancha de cor…
            Assim, Rui Massena, imaginei eu, quando – bem servido por eloquente minimização da luz – há um som claro ali, outro acolá e o silêncio de permeio. Ouvindo os sons serenos, escutamos o silêncio. Irmanados no mesmo ambiente, os seus músicos (nem sempre a luz incidia neles, que o ambiente se queria íntimo, o som era rei …) acompanhavam o piano, por vezes este dava-lhes a primazia, ora a um ora a outro. E até houve momento para, a meia-luz, os espectadores ensaiarem um passo de valsa.
            Nada fácil, portanto, esta aparente singeleza… Retratada a angústia alumiada por tochas. Um gemido além. Longos foram os trechos. A bateria a desempenhar um papel primordial. Estranhas sonoridades, servidas por uma sonoplastia de excelência. O convite a resistir. O retrato sonoro do amanhecer…
            Rui Massena, um Mestre na arte de nos embalar pela Música!

Celebração da Dança
            Duas partes, dois espectáculos (às 16 e às 18.30 horas). Não foi mais uma das apresentações dos resultados obtidos pelos alunos da EDAM, não: foi mesmo um espectáculo especialmente concebido para esta celebração. Dir-se-iam apontamentos baléticos, em que ao ajustado rigor das mui originais e ajustadas coreografias (praticamente todas da autoria de docentes da Escola) se juntaram o virtuosismo das jovens bailarinas (e houve bailarinos também, mas raros) e a enorme elegância do muito original guarda-roupa (parabéns!).
            Logo o primeiro número, Valsa das Horas, seduziu justamente pelo inusitado do guarda-roupa. Essa foi, porém, uma sedução em crescendo, nos 10 números da 1ª parte e nos 9 da 2ª. Sem praticamente hiatos, com bom desenho de luz de Pedro Rua e som a condizer.
            Anote-se também o toque gentil, sempre diferente, patenteado na forma elegante do agradecimento após cada actuação. Um mimo!

                            José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 279, 2019-05-01, p. 6.

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