No Salão Preto de
Prata aconteceram, nestes dias, dois invulgares espectáculos, susceptíveis de
deliciar quem pelas Artes acalente devoção.
A 18 de Abril, o final da ‘tournée’ que Rui Massena fez pelo País; no domingo,
28, Dia Mundial da Dança, foi a vez de a Escola de Dança Ana Mangericão (EDAM),
sediada, como se sabe, nos limites meridionais da freguesia de S. Domingos de
Rana, apresentar «Celebrating Dance», com
a participação especial de Jazz
Dance Studio.
Rui Massena
Que
sensação fica depois de ouvirmos
durante quase duas horas esta banda, dirigida, ao piano, por Rui Massena? Sim,
bem no sabemos que os amantes da música clássica, erudita, poderão não gostar.
Mas ousar-se-ia perguntar: que serventia tem a música? (Acho, aqui para nós,
que alguns dos senhores ‘que mandam’ até são capazes de chorar as poucas verbas
que, muito a custo, o Povo lhes consegue extorquir, embora com a consciência
plena de que são verbas dele).
E
que sensação fica, então? Essa, a da
serventia: a de nos ajudar a saborear os momentos que nos é dado viver.
Um
pintor naïf desdobra-se a pintar
todos os pormenores, por vezes até os apresenta anormalmente
grandes. Interessa-lhe o pormenor, não quer esquecer nenhum. Na senda de um pintor,
assim se começa: as naturezas mortas, as paisagens… Depois, a visão depura-se
e, na maturidade, há somente o traço sugestivo, a mancha de cor…
Assim,
Rui Massena, imaginei eu, quando – bem servido por eloquente minimização da luz – há um som claro ali, outro acolá e o
silêncio de permeio. Ouvindo os sons serenos, escutamos o silêncio. Irmanados
no mesmo ambiente, os seus músicos (nem sempre a luz incidia neles, que o
ambiente se queria íntimo, o som era rei …) acompanhavam o piano, por vezes
este dava-lhes a primazia, ora a um ora a outro. E até houve momento para, a
meia-luz, os espectadores ensaiarem um passo de valsa.
Nada
fácil, portanto, esta aparente singeleza… Retratada a angústia alumiada por
tochas. Um gemido além. Longos foram os trechos. A bateria a desempenhar um papel
primordial. Estranhas sonoridades, servidas por uma sonoplastia de excelência.
O convite a resistir. O retrato sonoro do amanhecer…
Rui
Massena, um Mestre na arte de nos embalar pela Música!
Celebração da Dança
Duas
partes, dois espectáculos (às 16 e às 18.30 horas). Não foi mais uma das apresentações
dos resultados obtidos pelos alunos da EDAM, não: foi mesmo um espectáculo
especialmente concebido para esta celebração.
Dir-se-iam apontamentos baléticos, em que ao ajustado rigor das mui originais e
ajustadas coreografias (praticamente todas da autoria de docentes da Escola) se
juntaram o virtuosismo das jovens bailarinas (e houve bailarinos também, mas
raros) e a enorme elegância do muito original guarda-roupa (parabéns!).
Logo
o primeiro número, Valsa das Horas,
seduziu justamente pelo inusitado do guarda-roupa. Essa foi, porém, uma sedução em crescendo, nos 10 números da 1ª parte e nos 9
da 2ª. Sem praticamente hiatos, com bom desenho de luz de Pedro Rua e som a
condizer.
Anote-se
também o toque gentil, sempre diferente, patenteado na forma elegante do
agradecimento após cada actuação. Um
mimo!
José d’Encarnação
Publicado
em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº
279, 2019-05-01, p. 6.
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