quarta-feira, 8 de maio de 2019

O 25 – imediatamente antes e imediatamente depois


José d’Encarnação |Onde é que tu estavas no 25 de Abril
Sim, para nós, os que, a 25 de Abril de 1974, já andávamos pela casa dos 20 (eu tinha 29), a pergunta sacramental é essa: onde é que tu estavas nesse dia?
Levantei-me para ir dar aulas na Escola Salesiana do Estoril. Ainda dei um tempo ou dois, e a Direcção da Escola, perante as notícias que chegavam de Lisboa, resolveu suspender as actividades lectivas nesse dia e no seguinte.
De transístor sempre ligado, fui sabendo o que se passava. O Jornal da Costa do Sol, de que era redactor, tivera tempo para modificar, no derradeiro momento, a 1ª página e – bom presságio! – eu marcara para esse dia a mudança de casa. Tudo em excelente mudança, portanto! Numa sensação de alívio, porque, dias antes, gravara, exactamente nos estúdios do Rádio Clube Português, uma entrevista conduzida por Luís Filipe Costa, a mesma voz que ora ia ouvindo, depois da do Joaquim Furtado, que lera o comunicado oficial do MFA… Era como se estivesse em casa!...

Imediatamente antes
Por aqui sentíamos que… algo andava no ar! Estávamos bem perto dos ideólogos da SEDES; o Expresso nascia na tipografia onde se fazia o Costa do Sol, jornal este em que Magalhães Mota começara a publicar cuidadosos relatos das sessões da Assembleia, em pleno clima marcelista...
Eu vivera, na década de 60, na Cidade Universitária de Lisboa, as investidas da Polícia contra os estudantes e o omnipresente olhar dos informadores da PIDE… A colaboração nos jornais Encontro (da Juventude Universitária Católica) e no Tempo (de Nuno Rocha), jornais que, bem vigiado (sentia-o), eu ousava vender à porta da Faculdade. O cuidado que precisávamos de ter na redacção do Jornal da Costa Sol para o «lápis azul» não nos cortar os textos. Aquela história de a habitual secção do director, «Lengalenga», ter tido, um dia, o título censurado (só o título!), porque o conteúdo não agradara a um dos censores. A edição que tinha de ser mostrada na totalidade à Comissão de Censura, porque, a determinado momento, compreenderam que até na paginação poderia haver… marosca! Os ensaios gerais das peças do Teatro Experimental de Cascais, sempre a correr-se o risco de os censores amputarem passagens significativas ou, mesmo, de lhes proibirem a estreia!... Os dias de aflição quando o Nuno Vasco desapareceu num ápice sem deixar rasto e viemos a saber depois que deixara cair o cartão de jornalista numa manifestação frente ao Ministério do Trabalho e a PIDE o prendera, incomunicável, sem tir-te nem guar-te!...

O imediatamente depois
Sim, a loucura do primeiro 1º de Maio em liberdade. A estrada da orla de Cascais ao Guincho, um mar de carros floridos (nunca se apanhou tanta flor de chorão!...), todos a nos proclamarmos irmãos, algazarra imensa, a «Grândola» em pano de fundo!... Nunca mais houve um 1º de Maio assim! Depois, a possibilidade de se escrever sem peias; os constantes comunicados das comissões de moradores; o atender todos, da extrema-direita à extrema-esquerda, na imparcialidade que urgia estar patente nas colunas do jornal… Como docente, a alegria de poder comentar livremente As Aventuras de João Sem Medo, do Gomes Ferreira, ou Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos…
Agora, 45 anos passados, no recanto dos aposentos, a vontade – sempre a mesma! – de (eu, professor, me confesso!) continuar a partilhar experiências. Essas do 25 – antes, durante e depois também!


Publicado em Ponto & Vírgula [revista do Gabinete de Informação e Comunicação do Agrupamento de Escolas de Marinha Grande Poente, acessível em: http://gic.age-mgpoente.pt/index.php], de Abril de 2019.

6 comentários:

  1. Gostei! Eu em Carcavelos avisado para não ir para a fábrica na Póvoa da St. Adrião - algo se passava! Depois o dia colado à TV, fádio... e a torcer para que o Estado Novo se tornasse velho - com a tua idade e pai de 2 filhos, recebi depois com um gosto agri/doce os pais irmãos cunhados e uma sobrinha, mais amigos que foram corridos da minha segunda cidade - Lourenço Marques. O resto... é conhecido. A Liberdade sabe bem! Abç.

    ResponderEliminar
  2. Foi um tempo lindo, de grandes esperanças, como este belo texto revela. Eu já estava em "prisão domiciliária", refém de outra guerra que ainda não terminou... Morava por cima de um quartel. Todas as noites havia alarmes falsos sobre inimigos da revolução a entrarem pela fronteira. Era preciso caçá-los... estás a ver? E os jipes barulhentos, conduzidos por homens inebriados pelo dever revolucionário, acordavam toda a gente de madrugada, todas as madrugadas, para incursões infrutíferas pela escuridão. Muito combustível se gastou...
    Com um abraço
    Martim

    ResponderEliminar
  3. Eurico de Sepúlveda
    quarta-feira, 8 de Maio de 2019 19:26
    O meu foi um pouco diferente visto os "beefs" terem ficado de tal maneira amedrontados que mesmo sabendo que não podiam voar para a Portela "velhinha mas de tantas boas recordações" informaram o "seu pessoal" para ficarmos todos em casa.
    O dia seguinte ou talvez dois o regressar ao Aeroporto vazio de PIDES que tinham deixado nos balcões os carimbos que com todo o gosto retirámos como recordação.
    O meu já não me lembro se dei a um amigo meu que tinha "sofrido" os malfamosos "tratos de polé" ou se enviei mais tarde para Coimbra com todos os panfletos e resultados dos plenários de estudante do então ISCEF/ISE que tinha guardado e jornais ingleses da altura.
    Coisas que o meu pai repudiava de uma maneira "salazarista" que nem chegou a ser "caetanista".

    ResponderEliminar
  4. Belo testemunho. Tanto que me ocorreu que seria interessante dar-lhe ainda um outro encaminhamento... Mas enviar-lhe-ei, caro Professor, o desafio por mensagem específica. Grande abraço.

    ResponderEliminar
  5. Sem o 25 de Abril nem os que fossem contra se poderiam pronunciar, a menos que fossem legionários ou da PIDE! Liberdade, sempre!

    ResponderEliminar
  6. Gostei imenso do texto, da emoção que dele emana...!
    Pois eu estava na Suécia e tinha 17 anos. Sim, tinha-me "ido embora" clandestinamente, claro, por duas vezes...Voltei com uma pena imensa de não ter estado presente neste dia tão importante para todos e cada um de nós...Mas não, não tinha o dom da ubiquidade, para estar fora não podia ter estado dentro...Vim encontrar um Portugal "eufórico" de liberdade não contida e não filtrada...Gente em estado " de consciencia ....alterada" pela súbita liberdade adquirida inevitavelmente acompanhada pelos sonhos de um futuro que se perfilava novo e iluminado com uma outra luz...Pleno de promessas e de sonhos tantas vezes sonhados...! Curiosamente não fiquei, voltei para a Suécia sem perceber bem porquê, mas havia algo a cumprir que só entendi muito mais tarde..! Eram dois filhos e quatro netos que só lá podiam ter nascido e esperavam a minha chegada para o seu desígnio se cumprir, tal como Portugal se cumpriu no dia 25!! Grato por esta oportunidade de falar um pouco de mim. Forte e fraterno Abraço Professor. Fernando Machado

    ResponderEliminar