domingo, 12 de maio de 2019

Os ecos do que se lê…

             Nada mais agradável para um autor do que ter eco do que no leitor despertaram os seus escritos. Eco favorável ou mesmo desfavorável, porque o importante é saber que não se passou despercebido.
             Agradou-me, por isso, que António Salvado, depois de ter publicado aqui e ali, comentários a obras lidas, haja pensado em os coligir em livro. Leituras VII, livro editado nos finais do ano passado pelo Instituto Politécnico de Castelo Branco (ISBN: 978-989-8196-74-3) preenche esse desiderato.
            Em jeito de epígrafe, esclarece o Autor que se trata de textos «nascidos em horizonte temporal de algumas dezenas de anos e dispersamente publicados (revistas, actas, semanários, catálogos, etc.), cuja publicação obedeceu «a solicitações várias e pontuais». Acrescenta – e isso nos é bem patente – que tudo isso constitui a prova de que António Salvado se interessa «por temáticas muito diversificadas».
            Direi que, como historiador, eu gostaria de ter visto datas e lugares: quando e onde se publicaram estes textos?
            Vestindo outra pele, a de jornalista, também me agradaria que a edição tivesse sido mais cuidada, pois abundam as gralhas, que deslustram um conteúdo atraente e rico. Veja-se, a título de exemplo o 2º parágrafo da pág, 51 [sic]: «Cheia cheio eu acho que é ele que escreve com Algas foi capa da Visão até tivesse avisado logo juntosCompra e convida pa saber tabacaria»…
            Louve-se, porém, esta recolha no seu objectivo maior: a de não se perder o que andava disperso.
            Divide-se a obra (de 126 páginas) em quatro apartados: «Em congressos, em jornadas, em encontros e em outras colaborações», «Das leituras à leitura», «Ligeiro voo sobre o céu de Lesbos», «De relances». Tem cada qual o seu estilo; e se o terceiro reúne escritos sobre um dos temas preferidos do Poeta, a poesia do escritor clássico Alceu, o que trata das leituras representa mui agradável conjunto de notas críticas sobre livros.
            Tanto no primeiro como no segundo apartados, António Salvado não se priva de se deixar seduzir por aquilo que mais directamente se prende com o seu Castelo Branco, a sua raia, o património cultural das suas gentes. E, nesse âmbito, escolho para referir o texto (p. 119-121) sobre uma exposição havida (não se sabe quando…) sobre as colchas de Castelo Branco e a importância que teve – e poderia continuar a ter – a Escola-Oficina criada no Museu de Francisco Tavares de Proença Júnior. E escolho-o não pelo texto em si mas pelo seu N. B., no parêntesis final, que mais me soa a epitáfio:
            «Com a passagem do Museu à responsabilidade da Autarquia albicastrense, saindo da tutela do Estado, a referida Oficina-Escola desapareceu...».
            Mas António Salvado, além do Cidadão empenhado e batalhador, é – ia a escrever «acima de tudo» – um Poeta que privilegia a bonita forma de escrever e nos enleva pelos caminhos em que muito se preza a beleza de viver. Nesse aspecto, muito poderia transcrever para atestar o que se afirma. Permita-se-me que apenas me debruce sobre o que escreveu sobre o acordeão, um instrumento tão nosso e que a mim, como algarvio, particularmente me encantou desde a mais tenra idade, em que, moço pequeno, ficava preso pelo dedilhar de Eugénia Lima. Saboreie-se, pois, o que o Poeta escreveu:
            «Eufónico companheiro, anima com luminosas branduras a claridade do dia ou cinzela com profundas angústias o negror da noite» (p. 116).
            E, mais adiante:
            «Universalizado, constitui certamente o instrumento que melhor conseguiu conciliar o tradicional e o individual, o popular e o erudito, tornando-se enfim paradigma da realidade que nos afirma que a arte, como expressão humana, é tão somente uma».
            Estamos de acordo.

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em: Reconquista (semanário regionalista de beira baixa) [Castelo Branco], edição 3813, 11-04-2019, p. 31; e em Gazeta do Interior [Castelo Branco], ano XXX, nº 1583, p. 6.

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