Agradou-me, por isso, que António Salvado, depois de ter publicado aqui e ali, comentários a obras lidas, haja pensado em os coligir em livro. Leituras VII, livro editado nos finais do ano passado pelo Instituto Politécnico de Castelo Branco (ISBN: 978-989-8196-74-3) preenche esse desiderato.
Em
jeito de epígrafe, esclarece o Autor que se trata de textos «nascidos em horizonte
temporal de algumas dezenas de anos e dispersamente publicados (revistas, actas,
semanários, catálogos, etc.), cuja publicação
obedeceu «a solicitações várias e pontuais». Acrescenta – e isso nos é bem
patente – que tudo isso constitui a prova de que António Salvado se interessa
«por temáticas muito diversificadas».
Direi
que, como historiador, eu gostaria de ter visto datas e lugares: quando e onde
se publicaram estes textos?
Vestindo
outra pele, a de jornalista, também me agradaria que a edição tivesse sido mais cuidada, pois abundam as
gralhas, que deslustram um conteúdo atraente e rico. Veja-se, a título de
exemplo o 2º parágrafo da pág, 51 [sic]:
«Cheia cheio eu acho que é ele que escreve com Algas foi capa da Visão até
tivesse avisado logo juntosCompra e convida pa saber tabacaria»…
Louve-se,
porém, esta recolha no seu objectivo maior: a de não se perder o que andava
disperso.
Divide-se
a obra (de 126 páginas) em quatro apartados: «Em congressos, em jornadas, em encontros
e em outras colaborações», «Das leituras à leitura», «Ligeiro voo sobre o céu
de Lesbos», «De relances». Tem cada qual o seu estilo; e se o terceiro reúne escritos
sobre um dos temas preferidos do Poeta, a poesia do escritor clássico Alceu, o
que trata das leituras representa mui agradável conjunto de notas críticas
sobre livros.
Tanto
no primeiro como no segundo apartados, António Salvado não se priva de se deixar
seduzir por aquilo que mais directamente se prende com o seu Castelo Branco, a
sua raia, o património cultural das suas gentes. E, nesse âmbito, escolho para
referir o texto (p. 119-121) sobre uma exposição
havida (não se sabe quando…) sobre as colchas de Castelo Branco e a importância
que teve – e poderia continuar a ter – a Escola-Oficina criada no Museu de Francisco
Tavares de Proença Júnior. E escolho-o não pelo texto em si mas pelo seu N. B.,
no parêntesis final, que mais me soa a epitáfio:
«Com
a passagem do Museu à responsabilidade
da Autarquia albicastrense, saindo da tutela do Estado, a referida Oficina-Escola
desapareceu...».
Mas
António Salvado, além do Cidadão empenhado e batalhador, é – ia a escrever
«acima de tudo» – um Poeta que privilegia a bonita forma de escrever e nos enleva
pelos caminhos em que muito se preza a beleza de viver. Nesse aspecto, muito
poderia transcrever para atestar o que se afirma. Permita-se-me que apenas me debruce
sobre o que escreveu sobre o acordeão, um instrumento tão nosso e que a mim,
como algarvio, particularmente me encantou desde a mais tenra idade, em que,
moço pequeno, ficava preso pelo dedilhar de Eugénia Lima. Saboreie-se, pois, o
que o Poeta escreveu:
«Eufónico
companheiro, anima com luminosas branduras a claridade do dia ou cinzela com profundas
angústias o negror da noite» (p. 116).
E,
mais adiante:
«Universalizado,
constitui certamente o instrumento que melhor conseguiu conciliar o tradicional
e o individual, o popular e o erudito, tornando-se
enfim paradigma da realidade que nos afirma que a arte, como expressão humana, é
tão somente uma».
Estamos
de acordo.
José d’Encarnação
Publicado em: Reconquista (semanário regionalista de
beira baixa) [Castelo Branco], edição
3813, 11-04-2019, p. 31; e em Gazeta do
Interior [Castelo Branco], ano XXX, nº 1583, p. 6.
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