Atira-nos
para um tempo antigo, em que o pedaço de ferro da grossura de um dedo,
arranjado nas obras, podia ser soldado e se tornava no arco, que uma gancheta,
também ela por ali obtida, mas mais fina, empurrava à perfeição!... E o carro
de assalto feito de um carro de linhas dos grandes, cujo círculo se golpeava
para ser roda dentada, movida pelo lento desenrolar do elastrinho que um pau de fósforo ajudara a ser mola propulsora....
E a bola, feita dos trapos arrebanhados aos pés das moças da costura e metidos
numa meia velha… E a forqueta bem ajeitada, com dois elásticos cortados a
preceito, de uma câmara-de-ar de bicicleta, atados de um lado e doutro de um
pedaço de sola (qual funda) e … lá estava a fisga para ir aos pássaros ou para
desafios de pontaria!…
Tudo
isso se atafulhou de supetão na minha cabeça, quando vi a imagem, hoje mui
justamente a correr mundo e a despertar sorrisos. Sim, que outras reacções não
há possíveis no imediato: sorrir e… partilhar! E, claro, louvar quem captou a
cena, quer a tenha encenado, quer ela se lhe tenha deparado assim, de repente,
ingénua e sorridente, como a vemos.
Louvado
seja, de facto e com inteira justiça, quem se lembrou, o adulto ou a criança.
Aquela criança, aquelas crianças… Temos mesmo de parar e de olhar!...
Se
não erro, terá surgido pela primeira vez, a 28 de Fevereiro, numa página da
Internet, «Fiquei emocionada com esta
foto. Será que estas crianças, na sua humildade, não são mais felizes do que as
nossas, que, logo de bebés, usam o telemóvel? Estas inventam, brincam com o que
têm e, pelas caras, estão encantadas». Quem fez a fotografia «mostra a grandeza
da alma e da generosidade para com os outros. Grande exemplo!».
Aquela alpercata, artisticamente
enganchada na mão, representa para os meninos o gozo maior, a pirraça aos
adultos que eles ainda não são e sonham ser, e que, neste momento, estão
certamente muito mais felizes e despreocupados e ricos de emoções do que a
maior parte de nós quando tira uma selfie,
só porque… se tem de tirar!... A alpercata assim empunhada não será, afinal, bem
significativo libelo?
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 753, 2019-05-01, p. 11-12.
ResponderEliminarLindo texto, a louvar a riqueza da imaginação infantil.
O chinelo mágico...a encenação, o sorriso fácil para o desconhecido (que eles devem conhecer muito bem, cada um a seu modo)
e aí está uma lição grande de gente miúda: como ser feliz, com tão pouco.
Parabéns, Amigo.
Idalina Dias
ResponderEliminarsexta-feira, 3 de Maio de 2019 16:23
Obrigada.
Magnífico texto, e crianças tão felizes sem nada terem………
Que instante magnífico! A vida é bela! Bem visto e bem dito!
ResponderEliminarAlice Marques
ResponderEliminarsexta-feira, 3 de Maio de 2019 17:40
Que texto fabuloso!
A fotografia é, sem dúvida, encenada. Mas, ainda assim, ao permitir um texto como o que escreveste... bendito fotógrafo!
E mesmo que a alpercata seja uma havaiana! Who cares?
Obrigada, amigo!
Talvez seja imagem encenada, talvez não... No entanto, os sorrisos são genuínos, mesmo se feitos «a brincar». Naquele tempo, de que a idade tende a afastar-nos, tudo é muito mais a sério. Principalmente o riso. Daí, aquela imagem levar-nos, naturalmente, a sorrir com eles. Grato pela partilha, caro Professor, com um forte abraço.
ResponderEliminarMina Rodrigues:
ResponderEliminarLindo e, verdadeiramente, emocionante!
Mina Rodrigues
ResponderEliminar9 de maio às 11:06
Crianças que se sentem felizes com tão pouco, ao contrário de outras que, por terem demasiado, desejam sempre mais e mais!
Norma Musco Mendes
ResponderEliminar11 de maio às 01:27
Fantástico!!! Transformar um chinelo em celular. As crianças são muito criativas!!!
Quem foi o autor dessa foto linda minha gente?
ResponderEliminarNão é conhecido. Há mesmo quem diga que se trata não de um instantâneo inesperado mas de uma encenação deliberada. Diga-se, porém, que, em todo o caso, a mensagem é bem sugestiva e cativante!
EliminarQuen sabe o nome do autor desta foto deliciosa?
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