sábado, 13 de agosto de 2022

Um atento olhar

             Muita gente por ali passou e, quiçá, um dia, até alguém se apercebeu de que naquela pedra havia letras. Aliás, quem a reutilizara para padieira de porta do que é, hoje, casebre quase em ruínas no Largo do Forno de Arícera (concelho de Armamar) deve ter pensado: «O melhor é pormos o escrito à mostra, não vá ele querer dizer alguma coisa!»…


    
       E razão tinha!
            Certo é que as décadas passaram até que um olhar atento, o de José Carlos Santos, formado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, sobre essas letras se demorasse. E bem o fez, porque a comparação dessas parcas letras com letreiros idênticos encontrados na região permitiu apresentar-se a proposta da sua reconstituição total, que viria a publicar-se na revista Ficheiro Epigráfico (estudo acessível em http://hdl.handle.net/10316/100307).
Trata-se de um terminus augustalis, ou seja, um marco que, sob autoridade imperial – neste caso, do imperador romano Cláudio – confirmou, no ano 43, o limite (o termo) dos territórios de dois povos ali localizados já, quando os Romanos chegaram.
Desconhece-se, por enquanto, que povos seriam esses, mas a atitude imperial assim gravada em pedra demonstra o interesse do governo de Roma por estas paragens da Lusitânia, por um lado, e, por outro, o respeito que esse mesmo governo tinha para com os povos pré-romanos.
Três ou quatro ranhosas letras, dir-se-ia! Com essas minudências, porém, se giza a História também!

José d’Encarnação 

Inserido, a 13/8/2022, na página «Literatura e Poesia – Amadeu Carvalho Homem», no Facebook.

2 comentários:

  1. Letras ranhosas ...não! Imperiais,claudianas.

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  2. Que bom a existência ser feita de diversidade: diferentes pessoas em conhecimentos, sensibilidade, áreas de formação.
    E na pedra quase informe para uns, outros descobrem umas estrelinhas que iluminam um caminho, um túnel do passado, que precisava de uma candeia.
    Sempre admirei a administração romana sob o imperador Cláudio, o tal que gaguejava e ninguém estava à espera que sucedesse ao sobrinho, Calígula. E este cuidado, aqui sublinhado nas últimas linhas deste texto, torna-o ainda mais digno de ser lembrado.
    Um texto pequenino que muito gostei de ler.

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