segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Mangando, mangando… as sentenças se vão dando!

            Pode, num primeiro momento, ser um sorriso que desponta ou, até, uma gargalhada boa. Acha-se piada e, porventura, nem se enxerga de imediato o âmago da questão. Haverá, contudo, um dia em que a imagem sai, mui sorrateira, do inconsciente para onde rapidamente a havíamos alijado e entra, pé ante pé, no domínio do consciente, a obrigar-nos a pensar.

            Recordo, amiúde, uma das últimas entrevistas de Manuel da Fonseca, em que, a dado passo, confessa ao entrevistador:
– Uma das coisas que mais me impressiona é a pressa em que as pessoas andam na rua, sem olharem para nada, é só andar, andar!
Não terão sido estes os termos exactos; na altura, não tive o cuidado de anotar a fonte. Manuel da Fonseca, de Santiago do Cacém, o grande evocador da «Planície Heróica», morreu em 1993; vivera ele os nossos dias e não só se impressionaria, como era capaz de ficar estarrecido. Aliás, tudo nos convida agora à velocidade, ao não «perder tempo», como se o tempo se pudesse perder… «Precisas de dar maior velocidade ao teu motor de busca, homem! Isso está duma lentidão de morte!...».
            E ocorre perguntar: ¿Ter mais uns segundos… para quê? Para melhor dominares o fluxo do teu pensamento? Sim, que esse fluxo pode dominar-se, sabias? E dá muito jeito, quando vamos no autocarro ou quando esperamos por ele ou enquanto o almoço não chega… Será ocasião de alinhavar ideias, arquitectar planos…

            Duas imagens mui positivamente me surpreenderam há dias e não posso deixar de as partilhar: o letreiro à entrada dum restaurante e a frase da rolha dum vinho. O letreiro, pelas razões lógicas: o ar de brincadeira das frases escritas como a gente as pronuncia, uma brincadeira de alcance bem profundo, já se sabe; o caso da rolha, porque, ao jeito alentejano, devagar, devagarinho, como se diz das gentes de lá, agarra no conceito (como eu gosto, agora, desta palavra tão na moda!...) e faz através dele sugestiva publicidade.
            Abençoados!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 837, 15-01-2023, p. 11.

7 comentários:

  1. Realmente..até se diz ..correr contra o tempo...correr...para nós, na nossa idade,o tempo é que nos empurra!

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  2. Carpe diem !... Melhor é aproveitar o tempo!...
    A. Correia

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  3. De: José Fialho
    17 de janeiro de 2023 09:05
    Mais um texto com humor, mas que foca a vida real.
    Obrigado.

    De: Dora Barradas
    Enviada: 17 de janeiro de 2023 11:04

    Grata pela partilha .
    Dessa gente do Alentejo eu lhe conheço muito desse “ viver lentamente” … devagarinho … onde com a calma se pode saborear, cheirar e olhar a vida bem melhor!!
    Beijinhos !

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  4. O texto, que agradeço, é curto, mas de grande profundidade.
    De facto são óbvias a sensatez e o sentido de humor alentejanos.
    Adoecemos a trabalhar, para depois gastar tudo o que ganhámos a curar a doença arranjada com tanta preocupação, já dizia o Dalai Lama.
    Mas se o letreiro é uma brincadeira engraçada, as palavras da rolha são de um especialista em marketing e devem resultar como um caso sério de estratégia publicitária.

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  5. O Tempo não me dá tempo de correr atrás do tempo; resigno-me e penso: atrás do Tempo tempo vem...

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  6. Gostei muito do texto, sobretudo da referência ao " tempo" do meu Alentejo. Nesta fase da minha vida, tenho muito presente o provérbio que por aqui se usa muito: " de vagar se vai ao longe".
    Abraço do Antão

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  7. Teve Lucinda Ferreira a gentileza de comentar o seguinte (que muito agradeço):
    Uma frescura, um brincar com leveza... Ridendo castigat mores, que encanta e prende o leitor, dizendo tudo o que tem que ser dito, num estilo despretensioso e fluido, como convém à escrita jornalística, que nem sempre abunda.

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