Pode, num primeiro momento, ser um sorriso que desponta
ou, até, uma gargalhada boa. Acha-se piada e, porventura, nem se enxerga de
imediato o âmago da questão. Haverá, contudo, um dia em que a imagem sai, mui
sorrateira, do inconsciente para onde rapidamente a havíamos alijado e entra,
pé ante pé, no domínio do consciente, a obrigar-nos a pensar.
Recordo,
amiúde, uma das últimas entrevistas de Manuel da Fonseca, em que, a dado passo,
confessa ao entrevistador:
– Uma das
coisas que mais me impressiona é a pressa em que as pessoas andam na rua, sem
olharem para nada, é só andar, andar!
Não terão sido
estes os termos exactos; na altura, não tive o cuidado de anotar a fonte.
Manuel da Fonseca, de Santiago do Cacém, o grande evocador da «Planície
Heróica», morreu em 1993; vivera ele os nossos dias e não só se impressionaria,
como era capaz de ficar estarrecido. Aliás, tudo nos convida agora à
velocidade, ao não «perder tempo», como se o tempo se pudesse perder… «Precisas
de dar maior velocidade ao teu motor de busca, homem! Isso está duma lentidão
de morte!...».
E
ocorre perguntar: ¿Ter mais uns segundos… para quê? Para melhor dominares o
fluxo do teu pensamento? Sim, que esse fluxo pode dominar-se, sabias? E dá muito
jeito, quando vamos no autocarro ou quando esperamos por ele ou enquanto o
almoço não chega… Será ocasião de alinhavar ideias, arquitectar planos…
Duas
imagens mui positivamente me surpreenderam há dias e não posso deixar de as partilhar:
o letreiro à entrada dum restaurante e a frase da rolha dum vinho. O letreiro,
pelas razões lógicas: o ar de brincadeira das frases escritas como a gente as pronuncia,
uma brincadeira de alcance bem profundo, já se sabe; o caso da rolha, porque, ao
jeito alentejano, devagar, devagarinho, como se diz das gentes de lá, agarra no
conceito (como eu gosto, agora, desta palavra tão na moda!...) e faz através
dele sugestiva publicidade.
Abençoados!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 837, 15-01-2023, p. 11.
Realmente..até se diz ..correr contra o tempo...correr...para nós, na nossa idade,o tempo é que nos empurra!
ResponderEliminarCarpe diem !... Melhor é aproveitar o tempo!...
ResponderEliminarA. Correia
De: José Fialho
ResponderEliminar17 de janeiro de 2023 09:05
Mais um texto com humor, mas que foca a vida real.
Obrigado.
De: Dora Barradas
Enviada: 17 de janeiro de 2023 11:04
Grata pela partilha .
Dessa gente do Alentejo eu lhe conheço muito desse “ viver lentamente” … devagarinho … onde com a calma se pode saborear, cheirar e olhar a vida bem melhor!!
Beijinhos !
O texto, que agradeço, é curto, mas de grande profundidade.
ResponderEliminarDe facto são óbvias a sensatez e o sentido de humor alentejanos.
Adoecemos a trabalhar, para depois gastar tudo o que ganhámos a curar a doença arranjada com tanta preocupação, já dizia o Dalai Lama.
Mas se o letreiro é uma brincadeira engraçada, as palavras da rolha são de um especialista em marketing e devem resultar como um caso sério de estratégia publicitária.
O Tempo não me dá tempo de correr atrás do tempo; resigno-me e penso: atrás do Tempo tempo vem...
ResponderEliminarGostei muito do texto, sobretudo da referência ao " tempo" do meu Alentejo. Nesta fase da minha vida, tenho muito presente o provérbio que por aqui se usa muito: " de vagar se vai ao longe".
ResponderEliminarAbraço do Antão
Teve Lucinda Ferreira a gentileza de comentar o seguinte (que muito agradeço):
ResponderEliminarUma frescura, um brincar com leveza... Ridendo castigat mores, que encanta e prende o leitor, dizendo tudo o que tem que ser dito, num estilo despretensioso e fluido, como convém à escrita jornalística, que nem sempre abunda.