sábado, 5 de abril de 2014

Na prateleira 20

Ementa dos anos da fome
            Dia 12 de Março. Passa num dos canais de televisão a reportagem sobre a criação, em Alfândega da Fé, da «Ementa dos Anos da Fome». Apresenta-se como iniciativa gastronómica, que preconiza o aproveitamento de tudo que o que se encontra na Natureza, ao nosso dispor, que se aproveitava outrora e que, na actualidade, se prefere comprar no supermercado, embaladinho, tratado e, quase de certeza, fruto de uma produção intensiva, com fertilizantes apressadores do processo de crescimento.
            Contudo, mais do que este aspecto – sem dúvida, altamente positivo – o que mais me impressionou foi o nome da iniciativa, porque traz bem explícita a ideia de fome. É preciso consciencializá-lo: há mesmo fome entre nós!

Natalidade
            Todos o dissemos, em tempo oportuno: cortar abonos de família, diminuir o subsídio de nascimento, não proteger as famílias numerosas, não facilitar as licenças de parto… só pode trazer consequências nefastas numa drástica diminuição da natalidade.
            Acresce a isso, todos os dizem também, a sangria da nossa juventude que parte para o estrangeiro em busca do trabalho que lhe é negado aqui.
            E agora parece que acordaram os senhores «governantes». Aqui d’el-rei que só temos velhos! Aqui d’el-rei que não nascem crianças! E os senhores tomaram alguma iniciativa para o evitar? Não fizeram ouvidos moucos, quando todos bramávamos contra as medidas que estavam a tomar? Éramos «velhos do Restelo», está bem de ver. E somos. Mas talvez as barbas brancas do velho alguma sabedoria hajam de guardar!

Até às 22 horas!
            Era chamada anónima. Hesitei em atender. As formalidades da apresentação. Dois dedos de cautelosa conversa, que, da minha parte, só tinham a finalidade de fazer tempo, o suficiente (pensei eu) para que o senhor do outro lado «ganhasse» a chamada. Não sei como é que o esquema funciona, mas fico sempre com a ideia de que, se for aguentando a conversa, o ‘funcionário’ é capaz de ganhar mais uns cêntimos. Não sei se é assim ou não. O certo é que, quando os atendo (o que nem sempre acontece), procuro ser simpático e respeitar o trabalho que têm, o seu ganha-pão, creio.
            Desta vez, era duma operadora de telecomunicações. Temos em casa os telemóveis de uma e o conjunto Internet / televisão / telefone doutra. Sim, eu sei que, se tivermos tudo da mesma operadora, sai mais barato. «Incomensuravelmente mais barato», garantiu-me o senhor do outro lado. Não abordámos o tema «fidelização», apenas afirmei que me sentia bem assim, pagava mais, paciência! Mas não tinha a maçada de mudar tudo outra vez, funciona, não funciona!... Contudo, a determinado momento, devo ter-lhe dado a ideia de que mais um pouco e eu não resistiria. E, aí, o senhor jogou o último trunfo: «Se celebrar o contrato até às 22 horas, usufrui desta promoção excepcional!».
            Perdão!? Espere aí um bocadinho. O senhor é duma operadora e está a falar-me de um número não identificado; por outro lado, são quase 20 horas e está a dizer-me que a campanha expira às 22?... Quer que eu tome uma decisão assim do pé para a mão?... Esqueça! E diga aí aos seus chefes… Espere! Não lhes diga nada!

O lago que deixou de o ser
            Deixou de ser lago o lago que alindava o final da Rua D. António de Castelo Branco, no entroncamento com a Rua Joaquim Ereira, em Cascais.
            Boa ideia!
            O sistema hidráulico previsto nunca funcionou a preceito; a água, não renovada, apodrecia. Virou, agora, canteiro florido. Se cuidado for, será regalo para os olhos.

Ictus
            Tem como símbolo um peixe estilizado. «Ictus» em grego significa «peixe», de facto. E era o signo secreto para os cristãos dos primeiros séculos se reconhecerem. Miguel Graça deu esse título à peça ora em cena no Mirita Casimiro. Certamente porque entrelaça com a história bíblica as histórias violentas que na cena faz passar.
            Choca.
            Estreada no Dia Mundial do Teatro em que, mais uma vez, se proclamou a importância fundamental do Teatro na vida das gentes (e, aliás, o próprio texto da peça com isso se casa às mil maravilhas), Ictus é um murro no estômago. Um forte murro no estômago. Para consciencializarmos o que os noticiários veiculam – e nós, como quem não quer a coisa, até acabamos por achar normal.
            E nada disso é, realmente, normal!

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 39, 03-04-2014, p. 6.

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