Beirão
serrano da Covilhã, Pinto Pedro por aqui se fixou desde há anos. Integrou os corpos
sociais da colectividade de 1993
a 2001 e a partir de 2009. Devem-se ao seu entusiasmo a
recuperação da sede, a construção do ringue, assim como a promoção de muitas iniciativa de forma a congregar a população em torno da Troupe, acção
de que o livro é reflexo e manifestação .
Uma casa e uma povoação com história
Já
tivera oportunidade de saber da actividade de Troupe quando aí se desenvolveu grande
interesse pelos fantoches. Chegou a haver um espectáculo a 15 de Junho de 1996
e eu entrevistei, a esse propósito, em Rádio Clube de Cascais, o seu respons ável, Jorge Gonçalves. Também acompanhei o
«Atelier de Teatro e Dança”, da respons abilidade
das actrizes Carla Andrino e Susana Cacela, e foi nessa ocasião, por alturas de
2008 e 2009, que, ao entrar no salão, me apercebi que estávamos perante uma
«casa com memória», pois houvera, da parte dos seus dirigentes, o cuidado em
exporem documentação , fotografias e
objectos relativos ao passado da colectividade, a maior parte deles ora cuidadosamente
reproduzidos na monografia.
Em
Caparide se encontraram inscrições funerárias romanas que tivemos ocasião de
estudar e, ao cimo da rua da colectividade, antes de aí se proceder a uma
urbanização , tiveram os técnicos da Associação Cultural de Cascais a possibilidade de proceder
a escavações arqueológicas, que levaram à identificação
de uma villa romana, cujos vestígios (mosaicos e cerâmica, sobretudo)
nos permitiram datá-la do século IV da nossa era. Disso o livro se faz eco na
p. 63. E, apesar de haver a esse respeito opiniões contrárias, creio que poderá
continuar a pensar-se ter sido o topónimo Caparide derivado da palavra romana
«capparis», ‘alcaparra’, sintoma de que, no fértil vale da ribeira que lhe fica
aos pés, os produtos hortícolas, designadamente este, um condimento que os
Romanos tanto apreciavam, seriam particularmente procurados. «Capparitus» poderia
ser o local em que abundava a «capparis». Uma investigação
em aberto!
A história cascalense
presente!
Merece,
pois, o livro de Pinto Pedro ampla reflexão pelas informações que veicula. Permita-se-me
que acentue apenas dois ou três aspectos que se me afiguram mais sugestivos.
Criara-se,
em 1913, o Grupo União Familiar Caparidense, que constitui, de certo modo, o embrião
da Troupe. Registe-se a importância da palavra «união» no contexto em que
nasceu; e o sentimento patriótico que se desprende de ter sido fundada a 1 de Dezembro,
data comemorativa da retoma da nossa independência em relação a Espanha. Eram os primeiros tempos, agitados,
da República e havia que criar no povo um sentimento de unidade e fazê-lo despertar
para os seus verdadeiros interesses, mesmo que – nesse campo das colectividades
de cultura e recreio – a influência inglesa tivesse sido dominante, visível,
nomeadamente, na designação de um
Costa do Sol Foot-Ball.
Importa
frisar, por outro lado, que, apesar de não se encontrar exactamente no litoral
do concelho, o que poderia considerar-se motivo bastante para um alheamento,
nunca Caparide deixou de participar nos acontec imentos
mais relevantes do concelho.
Pormenor
deveras curioso para o estudo da história da mentalidade cascalense é, a meu
ver, o facto de o rancho folclórico, criado em 1942, representar «três figuras:
1ª. O Concelho de Cascais, 2ª A Praia do Sol e 3ª. Um Turista “estrangeirado”».
E na marc ha de abertura não se deixa
de referir que «tem a Praia do Sol ju nto
dos pés e os campos verdejantes em redor». Essa Praia do Sol é, claro, a praia
de S. Pedro, a que toda essa zona estava estreitamente ligada: não havia,
recorde-se, o casario que hoje há, a cortar o contacto com o mar.
E
as letras das marc has que Pinto
Pedro não hesitou em transcrever reflectem, na verdade, o sentir da população , o seu pensamento dominante. Em 1952, por
exemplo, a atenção vai para «o teu
rio», os pinheirais e... os sapatinhos de trança! Desta tradição , aliás, se haveria de fazer gala, no corso
carnavalesco de 1959, organizado pela Estoril- Sol, em que o rei foi Maurice
Chevallier: os participantes no carro da sociedade caparidense foram distribuindo,
durante o percurso, sapatos de trança aos assistentes!
Um
outro apontamento: Caparide estivera presente, na Páscoa de 1943, na iniciativa
«Festas nas Aldeias do Concelho», tendo logrado angariar 251$95 «para a benemérita
obra do hospital» da Santa Casa da Misericórdia de Cascais. O respectivo
«diploma de agradecimento», assinado pelo provedor, Padre Moisés da Silva,
expõe-se no salão e reproduz-se no livro.
Uma identidade a preservar
Referiu-se
o «rio». E talvez não seja despropositado recordar a luta travada na Comunicação Social local, não há muito tempo, contra uma
proposta de urbanização desse fértil
vale a montante da povoação , onde há
vestígios romanos, que viria descaracterizar por completo o ambiente dessas
quintas seculares, onde, ainda hoje, se produz vinho de Carcavelos. Logrou-se a
classificação dos plátanos
seculares; conseguiu-se preservar e alindar a secular Fonte do Sapo. Nas
tradicionais festas de S. Pedro era por aí que se desenrolava o piquenique. E
há, de facto, que preservar esse local, pela sua beleza e simbolismo: repare-se
que é na parede da casa ju nto à
ponte que está a placa identificativa da povoação ,
ali mandada colocar pelo Automóvel Clube de Portugal, na primeira metade do
século passado, a mostrar que era ju stamente
ali a entrada ocidental da povoação .
Aliás,
a colectividade sempre exerceu também a função
geralmente atribuída hoje a uma comissão de moradores. Foi à ‘sociedade’ que,
por exemplo, se solicitou parecer sobre os nomes a dar aos arruamentos. E todos
os domínios da Cultura e do recreio serviram, ao longo dos anos, para cimentar
a união dos moradores: sessões de cinema ao ar livre; o tradicional Baile da
Pinhata; os bailes de beneficência que alimentavam, nomeadamente, a Caixa de Auxílio
aos Músicos, que ainda se logrou agora recuperar em casa de um dos sócios; o Grupo
Cénico… Deveras interessante a referência ao espelho, destinado, dizia-se, a «controlar
o movimento do salão», numa altura em que as mães se sentavam ju nto às paredes laterais e os pares rodopiavam sob
a sua vigilância perspicaz…
Um
livro com muitas fotografias e de pessoas identificadas, o que particularmente
me agradou, exactamente porque assim tem «pessoas dentro», num momento em que
mais se fala de números que de pessoas e que mesmo o lema «Cascais elevada às
pessoas» é frase a carecer de maior concretização
efectiva.
Registe-se,
com aplauso, a preocupação em não
deixar perder os arquivos das colectividades ou das entidades em geral e de os
preservar e tratar. O arquivo desta colectividade deu entrada no Arquivo Municipal,
cujos técnicos - competentes, afáveis, disponíveis - estão a levar a cabo, sob a
mui eficiente direcção do Doutor
João Miguel Henrique s, um trabalho
deveras meritório, a merecer encómio maior.
Estão
aqui pedaços de uma história centenária, pedaços de vida de antepassados nossos.
E a publicação do livro contribuiu,
não tenho dúvidas, para que a população
de Caparide – a que tem aqui as suas raízes e a que, aos poucos, vinda de fora,
se foi integrando nestes usos e costumes – sinta cada vez mais como sua a
colectividade da sua terra. E continuem todos a lutar pelo bem-estar comum – na
união que o livro muito contribui para cimentar.
Publicado em Cyberjornal,
edição de 06-04-2014:
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