quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Fazer meia

                                                 Nossa Senhora faz meia
                                                 A meia é feita de luz.
                                                 O novelo é Lua Cheia
                                                 E as meias são pra Jesus!

            Vezes sem conta terei ouvido esta quadra. Creio que minha avó ma cantava e eu adormecia-lhe ao colo. A cantilena já a não sei; decerto, porém, qualquer música de fado se lhe ajustaria a preceito.
            Dei comigo, agora, a relembrar serões, à luz do candeeiro a petróleo e eu, neto, cabia-me pôr os dois braços para a frente e manter esticada a meada da linha. Primeiro, minha avó descobria-lhe a ponta e depois, em gestos mecânicos, começava a engrossar o novelo esférico com toda a perícia para nada empecer e eu balanceava os braços a facilitar a saída. De vez em quando, a linha cruzara-se mal e eu tinha de habilidosamente passar a mão por baixo ou por cima, para não quebrar o ritmo e não se enlear tudo. Sendo o embaraço grande, lá minha avó passava o novelo uma ou duas vezes para desembaraçar.
            E era um gosto eu ver, depois, minha avó e minha mãe também, no contar de histórias, lume a crepitar, fazendo meia com duas ou três agulhas de barbela e muita perícia, contando mentalmente as voltas... Peúgos para mim, para meu pai, para meus tios, quiçá um par mais bonito para oferecer no Natal... Peúgos de linha, feitos à medida, biqueira apurada a preceito… hoje não há!
 
                                                                    José d'Encarnação

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 210/211, Julho/Agosto de 2016, p. 10.

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