Anos
atrás, quando a Câmara Municipal de Cascais tinha vereador da Cultura, celebrou
com a Panisol um protocolo: o pão era metido em sacos de papel, que tinham por
fora o poema de um dos nossos poetas. «Letras doces» / «A Paixão pela Leitura…»
– assim se designou a iniciativa.
Hoje,
voltou a Poesia «despida», que se come depressa, terceto que, pelo seu ar inusitado,
nos obriga, porém, a pensar. Exemplifico com um do mais recente livro de Carlos
Carranca («o fogo o tempo e as cinzas», p. 63):
–
Chá?
–
Prefere café?
–
Talvez um murro sobre a mesa!
E
a gente suspeita a violenta opção pelo murro, em vez da doçura dum chá ou dum
café…
O
certo é que, mui sorrateiramente, a poesia serve-se à mesa. Já se disse das frases
bonitas, cheias de poéticas imagens com que nos apresentam os vinhos:
«Aroma
rico e cheio a frutos em passa, compota e caramelo, com ligeira adstringência,
equilibrado, de taninos suaves e aveludados, com corpo, onde se nota o carácter
frutado e ligeira evolução, que se prolonga no final da prova».
Aroma
rico, taninos aveludados… Poesia, claro, à maneira de Cesário Verde, que
guindou a poéticas as coisas do quotidiano.
E,
agora, nessas ementas ditas gourmet (galicismo
evitável, mas já internacional, acho que ‘guloso’ dava mais requinte), veja-se
o que me enviaram, não sei se inventado, se real; que tem poesia, isso tem:
«‘Crevette
grisée’, envolvida em molho bechamel, com pequenos apontamentos de salsa
frisada australiana, na sua cama de massa fina, banhada em pão ralado crocante
e confitada em óleo vegetal».
Quem
me enviou, acrescenta que, na lista, é de 15 € o preço desse… rissol de
camarão, saboreável (por um euro!...) na tasca da esquina.
Mas
digam-me lá: tinha algum jeito escrever prosaicamente «rissol de camarão»?...
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 699, 01-01-2017, p. 11.
Alice Inês, 4-1-2017, 22.59
ResponderEliminarQue rissol mais saboroso!
Bem hajas por tornares a poesia tão saborosa e contagiares com este sabor os que te leem!
António Maia Amaral:
ResponderEliminarÉ uma ideia que, creio, começou em Guimarães, pela bibliotecária Isabel de Sousa, daí sendo copiada por várias outras Bibliotecas e Câmaras Municipais.
P.S. E não está nada mal, senhor Professor José d'Encarnação, este nome para o rissol de camarão: «‘Crevette grisée’[...]».
Manuela Barreto Nunes
ResponderEliminarSim, chamava-se "pão com poesia" e foi a Isabel Sousa que criou o projecto em Guimarães, há uns 20 anos, através de um acordo entre a câmara / biblioteca e uma empresa de panificação que tinha uma rede de padarias e pastelarias.