sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Sabe bem pensar em ti – o lirismo intenso do poeta António Salvado

           Estranho é, sem dúvida, o título de um dos mais recentes livros de poemas do albicastrense António Salvado: O Esperado Momento seguido de Como se a Terra…
            Vai-se ver e são os nomes dados a duas poesias, uma em cada  uma das três partes em que essa obra se divide e que delas retiram a identificação. A terceira ostenta o enigmático nome de Fata, que, em latim, significa «os Fados, o Destino» e já vamos ver a mensagem que o Poeta nos quis transmitir.
            «O esperado momento» é mesmo o último poema da primeira parte (p. 48) e relata, em três mui suaves quadras, como «pela tarde caída», sem outros sons para além do «rumorar dos pássaros prestes a adormecerem» (e a gente sabe como é, eles se aconchegando uns aos outros nos ramos da árvore escolhida…), há o voltejar (que bonito!...) de um «corpo tão esguio» que, no «esperado momento», ao Poeta se cinge feliz… Mal acomparado, bem no sei, mas o meu pensamento voou para aquela cena do Principezinho, vamos marcar uma hora e eu, antes de ela soar, já estou a saborear o encontro. Lemos, saboreamos e… apetece-nos fechar os olhos e imaginar, nós também, esse momento esperado…
            Quanto a «Como se a terra…» (p. 53), a delícia é igual: «Como se a terra se abrisse / para uma flor surgir», […] «pois assim és tu   és tu / quando de longe me surges». É abrir de braços, é ternura enlevante, é partilha de vital respiração, é… ternura! Faz-nos bem…
            «Os fados» (Fata), essa terceira parte prognosticava negruras. Será que o idílio fracassou e o Poeta caiu em abissal desânimo? Não. Não aconteceu. Fado é, aqui, vaticínio bom; «A água brota da fonte / do teu ameno sorriso / e correndo purifica / universos    perto e longe».
            Certo é que o derradeiro poema (p. 82) é susceptível de lançar alguma dúvida sobre esse idílio cantado. Aí se fala de «noite mal dormida», de sonhos que «nenhuma calma me entregam». Ilusão será, porque a tudo sobressai, afinal, «o brilho duns olhos cativantes» que «mesmo em sonho    a cada instante» acabam por estar presentes.
            Rosário, pois, no sentido próprio de mui viçoso e bem olorante vergel de rosas é este livro de António Salvado. Decerto me não engano se é um dos que maior enleio deixa transparecer, donde os enamorados podem beber, a longos haustos, poemas para as suas amadas…
            Poemas a saborear.
            Edição e propriedade do Instituto Politécnico de Castelo Branco, com capa e ilustrações do reconhecido pintor de Chão das Servas (Vila Velha de Ródão), Manuel Cargaleiro, a cuja Fundação pertencem os direitos de autor. O livro tem data de 2021. Mui cuidada paginação, com primoroso pictórico toque floral no final de cada página.

                                               José d’Encarnação

Publicado em Gazeta do Interior [Castelo Branco], nº 1704, 25-08-2021, p. 10.

 

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