Ainda se
esperava muito dele. «Este homem faz-nos falta», confidenciou João Vasco, no
momento da evocação do poeta e professor Carlos Carranca (1957-2019) em que se passava
o vídeo com as vozes potentes dele e de Luiz Goes a cantarem «Homem só, meu irmão!».
Pensada para o Dia Mundial da Poesia (22 de Março), a homenagem foi adiada, por
circunstâncias meteorológicas, para o sábado, dia 4, a partir das 18.15 horas.
Presentes muitos amigos e colegas;
presentes, antigos e actuais estudantes da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
Presente, a viúva, Rosa Carranca, os filhos; presente também Vasco Lourenço. No
ambiente acolhedor do Mirita Casimiro, a saudade. De quem, tão inesperadamente,
partiu, ainda não tinha 62 anos!...
Pelo palco passaram, a dar o seu
testemunho ou a dizer algum poema: Carlos Avilez; João Vasco; alunos da EPTC; elementos
do TEC; os «Pardalitos do Mondego», grupo de cantares de Coimbra que Carranca apadrinhara;
um dos guitarristas que amiúde o acompanhou; Marco d’Almeida, que foi seu
aluno:
– Há no mundo as pessoas que
adicionam e multiplicam e as que diminuem e dividem. O Professor Carlos
Carranca estava inequivocamente entre as primeiras!
Alunos do 1° ano mostraram coreografias
de dois poemas ditos. «Não passarão!», frase doutro poema, aqui aplicado à
guerra da Ucrânia. «Soltem as amarras!». Ai, aquela serenata que os estudantes lhe
fizeram numa das pausas em que do IPO o deixaram vir a casa e ele lhes
respondeu, cantando, da varanda!...
Ouvimos de novo, salpicada e
emotivamente, atirado ao ar, ora por um, ora outro e mais outro e mais outro: "O
Captain! My Captain!", o grito do poema
escrito em 1865 por Walt Whitman, relativo à morte do Presidente dos Estados
Unidos, Abraham Lincoln. "O Captain! My Captain!"…
Cascais, Coimbra, Figueira da
Foz, Lousã, Lisboa – pausas na viva peregrinação do homenageado. Viva e sempre entusiasta.
Como criança que parte à descoberta, como pessoa sempre aberta aos outros.
Sim, a primeira ideia é essa: faz
falta! Ousaria, porém, afirmar que talvez não, simplesmente porque o seu
testemunho ficou e vai perdurar. E era de ouvir os estudantes dizerem com pena
«Eu não fui aluno do Professor, mas…» – e vinha o depoimento a garantir «está
vivo entre nós!».
Privei com o poeta, o docente, o
Amigo. Apresentei livros dele e Carranca fez o favor de apresentar livros meus.
Unia-nos sempre esta ponte Cascais – Coimbra, na minha dupla condição de
munícipe cascalense e catedrático na Lusa Atenas.
Curvamo-nos perante a sua memória
de que realço o testemunho que nunca regateou…
É para meditar o seu livro póstumo
que são dois: Poemas Absurdos e A Palavra e o Mundo. Poemas que brotaram
já no decurso da sua implacável doença. É A Palavra e o Mundo uma série
de haicais como só um pensador e um exímio burilador da palavra o sabe fazer, mesmo
não obedecendo aos cânones do haicai clássico japonês. Assinalo: envelhecer
/ é ficar só com as nuvens / à espera da chuva. Maravilha!
Há, porém, no livro o depoimento
da Dra. Isabelina de Sousa Ferreira, que o acompanhou na doença. Depoimento a
ler devagar. E conta a Dra. Isabelina o que o doente lhe dizia: «Hoje foi um
dia bom, consegui ler…» ou então «Hoje foi um dia muito bom, consegui escrever,
estou bem…».
Que mensagem mais profunda se poderia
imaginar?
Vivo nos seus livros e na recordação
daquele vozeirão ao lado do, sempre saudoso também, Luiz Goes: «Andam p’la
terra os poetas / nas ondas altas do mar»…
José d’Encarnação
Publicado em Duas Linhas, 07-06-2022: https://duaslinhas.pt/.../carlos-carranca-poeta-e-professor/
Sem comentários:
Enviar um comentário