sábado, 14 de setembro de 2013

O mundo do paredão

             Quarta-feira, 4, meio da manhã.
            Do muro da piscina do Tamariz observo, em silêncio, o mar humano, embalado eu pelo marulhar das pequenas ondas do mar real.
            É o tempo dos grupos de seniores dos centros de dia das freguesias vizinhas (de Lisboa também, claro!). Aventuram-se alguns pela água, outros ficam-se sentados nas rochas e molham os pés ou optam por lento passeio no paredão.
            O contínuo vaivém de mundo, aqui, acaba por me seduzir sempre.
            Não há um andar igual: despreocupado este; compassado aquele, em jeito de quem faz caminhada higiénica; elegante aqueloutro, como em desfile de moda; açodado aquele mais além, pela força do canito que o puxa…
            Um mundo pejado de pensamentos, onde, ninguém, afinal, pode entrar, e que só de quando em quando são traídos por um sorriso diferente, um olhar curioso ou leve abanar de cabeça.
            Gosto deste paredão; sem dúvida, um dos locais mais aprazíveis de Cascais. Ontem, um grupo de jovens também por aqui se passeou, com bandeiras e camisolas iguais, a distribuir folhetos e bolinhas de Berlim…
            De todos os transeuntes, só há um tipo de que tenho pena. Não, não é o do senhor em cadeira de rodas motorizada. Esse, não – que ostenta ar de quem se conformou plenamente com a situação para que maleita ou acidente o atirou. Vive agora como lhe é dado viver, em serenidade (parece!). Dos que tenho pena? Dos de auscultadores nos ouvidos, alheados assim do tal incessante marulhar repousante, surdos ao suave trabalhar das avionetas, ao passar abafado do comboio, ao pregão cantado da senhora das bolas de Berlim, desinteressados do grito ocasional da gaivota, incapazes de fazer silêncio dentro de si para se abrirem ao mundo em que, afinal, realmente vivem. Que o dos auscultadores é, de certeza, um mundo bem diferente. Acho eu. Desisto de observar – vou dar umas braçadas!
            Espera!
            Olha aquela avozinha! Pesadamente vestida, chapéu de palha, caminha devagar. O peso dos anos. Do levantar bem cedo de outrora, a preparar farnel pró marido, a tratar da criação… E, agora, a contar os cêntimos, e ai, meu Deus, se ainda me cortam mais na magra pensão que recebo!...
            E já viste como se ergueu, rápido, o esqueleto dos luxuosos apartamentos onde, não há muito, estava o Hotel Atlântico? Sim, já vi. Achas que pensaram em manter em lugar digno um memorial do que ali se viveu e maquinou durante a última Grande Guerra? Algo que, por exemplo, remeta para o Espaço dos Exílios, um pouco mais adiante, no Estoril, a fim de que a memória se não perca? Isso não sei. Oxalá nisso se haja pensado.

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 13, 11-09-2013, p. 6.

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