Vamos
continuar na batalha para que o falar algarvio se mantenha e não se deixe
inebriar pelas expressões e palavras doutras regiões do País. Não digo que, se
assim fora, haveria revolução que era «um fim do mundo em cuecas», como
proclamava meu pai para se referir a uma situação (nunca sei se engraçada ou
desgraçada); mas que a nossa identidade é mesmo para se manter.
Lembrou-me
de imediato o Padre Afonso Cunha, a propósito da crónica anterior:
«Ando
a escrever um dicionário do falar algarvio (neste momento está parado porque
estou a concluir o Memorial da Diocese do
Algarve) e cerca de 80% é com citações de livros, revistas e jornais. Já li
centenas de livros de escritores e poetas algarvios…».
E
Lídia Jorge não hesitou em comentar:
«Tem
muita graça, sim, o falar algarvio que vai passando. Mas a música cantada das
palavras e das frases, uma espécie de murmúrio grosso, gutural, às vezes
grotesco, esse continua. A melodia da fala algarvia permanece. Já os vocábulos,
felizmente, vão sendo corrigidos, quando correspondem a deformações. Outros
ficam. Muito giro é o facto de, mesmo sendo do conhecimento geral de que a
palavra arjamolho é uma corrupção de alger+molho,
todos digamos arjamolho! Eu faço e digo assim, acho engraçado
usar a corruptela».
Escaidinha d'uvas |
–
Queres uma escaidinha d’uvas?
E,
como escrevia a Lídia, ‘tem muita graça’! De facto, o que é uma esgalhinha de
uvas, aquele cacho mais pequenino que a gente corta à mesa para ser mais fácil
de manusear, que é esse cachinho senão uma escaida pequenina?! E dizemos «escaida»,
porque ‘escada’ é mais áspero, uma pessoa tem sempre medo de cair… Escaidinha é
mais doce, mais ternurento e, assim, o neto até aceita melhor!...
José d’Encarnação
Publicado em Noticias de S.
Braz [S. Brás de Alportel] nº 273, 20-08-2019, p. 13.
E quando acrescentamos letras indevidas ao discurso? Lembro-me daquela jovem que chegou a Lisboa aos dezassete anos, vinda de Coimbra, e dizia aos colegas que na sua cidade fazia tanto frio, que andava lá sempre de gola i alta. Eles riam, faziam notar que acentuava também o a de maior, mas a ela custou desfazer-se das letras e dos acentos do afecto.
ResponderEliminarUm grande abraço e bem hajas pelo texto, Zé