terça-feira, 20 de agosto de 2019

Ainda os nossos falares

            Vamos continuar na batalha para que o falar algarvio se mantenha e não se deixe inebriar pelas expressões e palavras doutras regiões do País. Não digo que, se assim fora, haveria revolução que era «um fim do mundo em cuecas», como proclamava meu pai para se referir a uma situação (nunca sei se engraçada ou desgraçada); mas que a nossa identidade é mesmo para se manter.
            Lembrou-me de imediato o Padre Afonso Cunha, a propósito da crónica anterior:
            «Ando a escrever um dicionário do falar algarvio (neste momento está parado porque estou a concluir o Memorial da Diocese do Algarve) e cerca de 80% é com citações de livros, revistas e jornais. Já li centenas de livros de escritores e poetas algarvios…».
            E Lídia Jorge não hesitou em comentar:
            «Tem muita graça, sim, o falar algarvio que vai passando. Mas a música cantada das palavras e das frases,  uma espécie de murmúrio grosso, gutural, às vezes grotesco, esse continua. A melodia da fala algarvia permanece. Já os vocábulos, felizmente, vão sendo corrigidos, quando correspondem a deformações. Outros ficam. Muito giro é o facto de, mesmo sendo do conhecimento geral de que a palavra arjamolho é uma corrupção de alger+molho, todos digamos arjamolho! Eu faço e digo assim, acho engraçado usar a corruptela».
Escaidinha d'uvas
            Eu também, vou pelas corruptelas, próximos do nosso dia-a-dia. Ind’agora, sou capaz de perguntar aos meus netos:
            – Queres uma escaidinha d’uvas?
            E, como escrevia a Lídia, ‘tem muita graça’! De facto, o que é uma esgalhinha de uvas, aquele cacho mais pequenino que a gente corta à mesa para ser mais fácil de manusear, que é esse cachinho senão uma escaida pequenina?! E dizemos «escaida», porque ‘escada’ é mais áspero, uma pessoa tem sempre medo de cair… Escaidinha é mais doce, mais ternurento e, assim, o neto até aceita melhor!...

                                                                                              José d’Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 273, 20-08-2019, p. 13.


1 comentário:

  1. E quando acrescentamos letras indevidas ao discurso? Lembro-me daquela jovem que chegou a Lisboa aos dezassete anos, vinda de Coimbra, e dizia aos colegas que na sua cidade fazia tanto frio, que andava lá sempre de gola i alta. Eles riam, faziam notar que acentuava também o a de maior, mas a ela custou desfazer-se das letras e dos acentos do afecto.
    Um grande abraço e bem hajas pelo texto, Zé

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