Em vésperas
de terminar a legislatura, o normal
será que os deputados diligenciem por levar a bom porto o que, algum dia,
tiveram entre mãos e gostavam de ver concluído.
Contava-me o
Zé, há dias, das trocas de palavras que tinha, amiúde, com a patroa:
– A senhora,
estou eu com as mãos na massa, pede-me com urgência que meta mãos noutra!..
Ocorrem-me,
a este propósito, as passagens de dois livros. Uma é deveras conhecida, d’Os Lusíadas (canto I, estrofe 40):
«E tu, Padre
de grande fortaleza, / Da determinação,
que tens tomada, / Não tornes por detrás, pois é fraqueza / Desistir-se da
cousa começada».
A outra
vem num dos meus livros de cabeceira preferido desde a juventude, de folhas amarelecidas
e amplamente sublinhado ele está, A Arte de Estudar, de Mário Gonçalves
Viana (Editora Educação Nacional, 1943,
p. 178):
«Ao trabalhos
começados e não acabados representam uma tortura, constituem uma espécie de repreensão
constante, de sinal-de-alarme, de remorso vivo! Michelet confessava a Goncourt
que estes trabalhos iniciados, e não concluídos, lhe produziam não só graves preocupações,
mas terríveis dores de cabeça. A maneira como conseguiu dominar este mal foi
bem simples: habituou-se a fazer incidir o seu pensamento e o seu esforço, de cada
vez, sobre uma só coisa, sobre um único assunto».
Essa frase
põe o acento numa realidade a que, com enorme frequência, se não dá atenção: o tempo
do pensamento.
Pedem-te,
por exemplo, que digas umas palavras no aniversário da colectividade. “Coisa
pouca", dizem-te, “que tu já estás habituado!”. Certo: serão cinco
minutos! Contudo, e os instantes que medeiam entre o momento em que te fazem o
convite e o acto em si? Não te acontece que, de vez em quando, te lembras e
pensas no que será importante dizer? Ou seja, o tempo do pensamento vai ser bem
superior ao dos “escassos" cinco minutos da intervenção
– aspecto que é muito raro ter-se na devida conta.
Portanto,
nunca será de mais batalhar para que, na nossa vida e na da comunidade, as
obras de Santa Engrácia se concluam! Para serenidade de todos!
José d’Encarnação
Publicado
em Renascimento (Mangualde), nº 759, 2019-08-01, p. 11-12.
Uma coisa de cada vez, não é? Até porque quem muitos burros toca, algum deixa para trás, e não convém...
ResponderEliminarO tempo de quem apresenta um livro, ou o tempo gasto por um professor para apresentar a sua lição, não se limita ao tempo "visível", passível de ser medido. Eu sei bem disso, porque te devo muitos momentos traduzidos em palavras que acarinham o meu trabalho. Com eterna Amizade