terça-feira, 27 de agosto de 2019

O livro «Cascais e o Mar»

             Ainda que Raul Brandão, no seu livro «Os Pescadores», não haja feito uma referência especial aos pescadores de Cascais, o mar esteve sempre necessariamente presente – e está! – na história da vetusta vila.
          Foi da iniciativa dos pescadores a solicitação a el-rei D. Pedro I, em 1364, para que os libertasse da tutela de Sintra, porque já se julgavam dignos de uma autonomia.
           Foi mediante louvores ao clima cascalense e à sua refrescante brisa marítima estival que, no século XVII, Frei Nicolau de Oliveira incitou o rei espanhol a fixar sua corte em Lisboa.
            Foi Cascais que el-rei D. Carlos, em meados do sé. XIX, escolheu para estância balnear privilegiada e centro das suas experiências marítimas; daí que Eva-Renate d’Esaguy não tenha hesitado em dar ao livro que a Editorial Império (Lisboa, 1952) publicou o título Cascais, Terra de Reis e Pescadores, até porque el-rei entre os pescadores amiúde confraternizava…
            Antes, porém, por toda a Idade Moderna, era a baía de Cascais a última que os navegadores deixavam, quando em demanda de novas paragens e, no regresso, era ela a primeira que eles, mui jubilosamente, saudavam.
            Tem, pois, pleno cabimento o livro que Manuel Eugénio e José Ricardo Fialho prepararam sobre Cascais e o Mar, uma edição da Junta da União de Freguesias Cascais e Estoril, solenemente apresentado pelo presidente da Junta, Pedro Morais Soares, ao final da tarde de domingo, 25 de Agosto, último dia das celebradas Festas do Mar deste ano.
            Uma significativa cerimónia singela, no Largo Cidade Vitória, junto à sede da Junta, com largo público e a presença do presidente da edilidade.
            Não é um livro de história, é um livro para a História!
            Ou seja, aí minuciosamente se recolheu assaz completo acervo a respeito do que se conhece (e convém não esquecer!) acerca desta íntima e multissecular ligação entre a vila, o mar e as suas gentes. Entidades, acontecimentos, lugares, monumentos, edifícios, casos célebres, vultos do Povo que não poderão olvidar-se…
Alice, varina e vendedeira no mercado
            Meu pai foi arrieiro na sua juventude. Ia de S. Romão, de madrugada, às cavalitas de uma burra, à praça de Olhão comprar peixe, que revendia pelas terras de S. Brás de Alportel. Quando veio para Cascais, trazia o gosto do peixe no corpo. Por isso, amiúde, terminada a venda, a ‘menina Sara’, a Alice (que vem no livro como a Alice da Barraca de Pau) ou a sua irmã, a Carolina, batiam-nos à porta, em Birre, à hora do almoço, para que comprássemos o que não haviam vendido. Meu pai olhava, «tens aí um cento de carapaus; dou tanto!». Regateava a Carolina, que não, que tinha mais, e meu pai na dele! Contadas as cabeças, acabavam por lhe dar razão e a merca se concretizava, pois então!
            As varinas! Punham as canastras no tejadilho das carreiras da Palhinha, ali pelas 10 da manhã, e lá iam elas! Para a Malveira, uma; Aldeia de Juso, outra; Barraca de Pau, Cobre, Birre e Torre, outras…
            De futuro, nada poderá escrever-se sobre Cascais sem uma alusão ao que ora neste livro ficou mui despretensiosamente consignado, fruto de aturada pesquisa e, também, importa dizê-lo, da colaboração de quantos, abordados pelos autores, não tiveram receio em lhes facultar fotografias e documentação do seu espólio familiar. Abençoados!
            Reza o lema camarário cascalense «Tudo Começa nas Pessoas». Dir-se-á também, com inteira justiça que, neste 13º livro de Manuel Eugénio (a partir de dada altura, em parceria com José Ricardo Fialho), as Pessoas são, na verdade, o elo de tudo!
            E outra atitude não há senão a de se louvarem os autores e o Executivo da Junta, por não se haverem poupado a esforços para nos legarem, a nós e às gerações vindouras, estes eloquentes e bem significativos testemunhos!

                                               José d’Encarnação


3 comentários:

  1. Texto notável sobre as muitas bênçãos da vila de Cascais: o mar, o peixe fresco, os pescadores, as gentes que, afinal, são os elos de ligação de todos os elementos.
    Parabéns
    e um abraço

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  2. De:Fernando Mendes
    30/08/19 13:54

    Obrigado, Zé, por manteres erguida a bandeira dos que ajudaram a escrever a história de Cascais e suas gentes. Pode parecer um pormenor mas, para mim, espoliados que fomos dos dois jornais regionais que divulgavam o que se passava no concelho, sem interesses comerciais, os teus comentários, mesmo que eventualmente pequenos, são uma efectiva enxurrada de informação útil para quem atravessa período de seca nesta matéria.
    Respondi ao teu comentário sobre a obra do Manuel Eugénio e do Fialho. Por “nabice” minha julgo que não seguiu. O essencial reside na relevância que prestei à tua humildade, enquanto professor catedrático, por teres saudado a obra dos nossos amigos. Obrigado, Zé!
    Neste mundo balsoneiro é tão gratificante ler as tuas peças. Julgo que refinaste, para melhor.
    Continua, amigo!
    As pessoas estão sempre primeiro!

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