sábado, 19 de julho de 2014

Faleceu um canteiro são-brasense

             Com 95 anos de idade, faleceu, a 14 de Junho, p. p., Manuel Mamede dos Santos Sousa, natural do Corotelo, onde nascera a 17 de Agosto de 1918.
            Teve o percurso normal das crianças dessa altura: fez a quarta classe na escola local e começou de imediato a ajudar os pais na faina agrícola, iniciando-se também no trabalho da pedra, que era já uma tradição de família, nas pedreiras ali perto, nos Funchais.
            Alistado no exército, fez parte do contingente que, em 1942 e 1943, esteve nos Açores, numa altura em que o arquipélago detinha, como se sabe e como ainda tem hoje, uma posição estratégica no quadro da II Grande Guerra (os submarinos alemães andavam por perto…). Regressado à terra natal, atendeu ao chamamento que era feito às gentes do Corotelo e de Bordeira para, em Cascais, trabalharem a pedra, numa altura em que se programavam grandes obras públicas na capital e, tal como sucedera no passado, desde o tempo de D. Manuel I, era de Cascais que ia a pedra para esses edifícios.
            Em Cascais, onde jaz sepultado, acabaria Manuel dos Santos por organizar toda a sua vida, constituindo família e tornando-se um dos canteiros algarvios mais conhecidos na freguesia, pela habilidade e rapidez com que trabalhava e sabia organizar o trabalho. Vergas, peitoris, soleiras, forro a ponteiro, cunhais, o escopro de dentes, a bujarda, o badame, o maçacopas, a maceta… eram, pois, as palavras do seu quotidiano. E, de canteiro, passou a ser também ele, a partir de determinada altura, o concessionário da exploração de pedreiras, interpretando os desenhos dos arquitectos e construtores e escolhendo com argúcia, para dar satisfação às encomendas, as pedras mais a preceito. Laborou na última fase da sua vida profissional em serrações, pois aí se necessitava mais de quem, como ele, ‘tratava a pedra por tu’.
            De trato muito afável, pode dizer-se que constituiu Manuel dos Santos um dos últimos representantes daquele significativo grupo de são-brasenses que está na origem da «colónia são-brasense» na freguesia de Cascais. Com ele se perde – porque não houve oportunidade de lha ouvir contar – parte da história de um pós-guerra das nossas gentes, cada vez mais difícil de reconstituir, porque vão desaparecendo os seus ‘actores’, livros que ardem sem que nos tenha sido possível fazer deles uma leitura adequada…
            À família enlutada, nomeadamente à viúva, Esperança Sousa, e aos seus dois irmãos ainda vivos e que no Corotelo se mantêm, a Francisca Baptista dos Santos Gago e o Lázaro dos Santos Baptista, endereçamos mui sentidos pêsames.

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 212, 20-07-2014, p. 21.

1 comentário:

  1. Vidas muito ricas, livros que se perdem. Divulgação preciosa. Obrigada.

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